BRUXELAS — Foram 19 horas de Conselho Europeu, muitas delas sem contato telefônico durante as conversas com os líderes. No fim da madrugada, por volta das quatro horas, Giorgia Meloni apareceu sob a Lanterna para poucas declarações. Mantendo um perfil baixo e evitando triunfalismos, um sorriso discreto deixou claro o resultado: “prevaleu o bom senso”.
Na contabilidade política do encontro, a premiê italiana saiu como a vencedora, numa espécie de placar simbólico Itália-Alemanha 2 a 0. O primeiro ponto foi o adiamento da assinatura do acordo com o Mercosur; o segundo foi a não utilização dos ativos russos para financiar a ajuda à Ucrânia. Do lado alemão, figuras como Friedrich Merz e a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, defendiam um ritmo diferente: desbloquear o pacto com os países sul-americanos e aproveitar cerca de 210 bilhões de euros em bens russos para apoiar a Ucrânia. O resultado foi outro.
Apesar do êxito, a orientação do governo é de moderação: “vencemos, mas não é preciso esfregar na cara de ninguém”. Essa prudência aparece nas declarações dos membros do Fratelli d’Italia, que enaltecem a linha italiana sem insistir em críticas diretas a Berlim — parceiro ainda considerado essencial em muitos assuntos europeus.
Na prática, a posição italiana convergiu com a França sobre o Mercosur e, sobretudo, sobre o empréstimo à Ucrânia. No primeiro momento do encontro, segundo relatos, Meloni nem chegou a falar, mas participou da conclusão do acordo. A União Europeia aprovou um pacote que prevê um empréstimo de 90 bilhões de euros à Ucrânia, sem recorrer aos ativos russos para esse fim. Von der Leyen anunciou ainda que a assinatura do Mercosur foi adiada para janeiro: “precisamos de tempo para discutir certas questões com os Estados-membros”.
No episódio do Mercosur, a premiê italiana também buscou proteger interesses internos. A decisão atende ao mundo agrícola italiano, que levou manifestantes a Bruxelas — a Coldiretti permanece como base eleitoral e grupo de pressão de peso, alertaram autoridades como o ministro Francesco Lollobrigida. Para neutralizar interpretações sobre a negociação, Meloni fez uma ligação direta ao presidente Lula, antecipando a assinatura que se esperava fosse formalizada por von der Leyen.
A longa madrugada também revelou um gesto de sintonia pouco habitual: o apoio do primeiro-ministro belga Bart De Wever, que esteve nas barricadas para não autorizar o desbloqueio do uso dos ativos russos. Foi um jogo de sponda que ajudou a consolidar a posição contrária à proposta defendida por Berlim.
Dentro do tabuleiro político, portanto, Meloni somou uma vitória dupla — política externa e proteção de interesses domésticos — ao mesmo tempo em que escolheu adotar cautela retórica frente à Alemanha. A estratégia é clara: obter resultados sem provocar rupturas desnecessárias no relacionamento com um parceiro central da União Europeia.
Contexto e desdobramentos:
- Empréstimo UE à Ucrânia: pacote de 90 bilhões de euros aprovado;
- Ativos russos: proposta de uso descartada na solução final;
- Mercosur: assinatura adiada para janeiro, por necessidade de mais debates com Estados-membros;
- Relevância da Coldiretti e interlocução direta com Lula para proteger interesses agrícolas italianos;
- Atuação coordenada e discreta com o primeiro-ministro belga Bart De Wever.
Ao fim da maratona, o balanço para o governo italiano é de ganhos concretos sem rupturas públicas. Resta agora acompanhar os desdobramentos das negociações nas próximas semanas e o marcante jantar de líderes que ocorrerá em Berlim nos próximos dias, onde a relação com a Alemanha será central nas discussões.
Fonte: Corriere della Sera — Roma — leia no original































