
O episódio que tornou mais evidente essa falha ocorreu em 2008, quando o governo de então, liderado por Silvio Berlusconi, tentou aprovar uma normativa mais rígida antigraffiti. A proposta aumentava penas pecuniárias e até detentivas para atos de vandalismo, mas acabou sendo engavetada após entrar e sair do Conselho de Ministros sem aprovação definitiva. Estudos e casos subsequentes mostram que a demora e a indecisão legislativa transformaram a Itália num destino favorito de autores de pichação de toda a Europa, mantendo normas pouco eficazes contra a degradação do patrimônio.
Segundo registros históricos e relatos da época, a resistência política à lei envolveu diretamente partidos que, ironicamente, hoje celebram os esforços de quem tenta limpar a cidade à força de trabalho voluntário e repercussão nas redes. A Lega, por exemplo, opôs-se à legislação em parte porque alguns de seus militantes haviam sido investigados por pichagens que, nos anos 1990, estampavam slogans come “LEGA LOMBARDA” e “PADANIA LIBERA” em viadutos e espaços públicos.
O resultado prático dessa conjugação de omissões foi um país que arca com bilhões em manutenção e restauração e que convive diariamente com edifícios, trens, estações e monumentos riscados. Além do custo econômico, há efeitos difíceis de medir sobre a percepção de segurança e a qualidade do espaço urbano.
Nos últimos anos, impulsionados pelo alcance das redes sociais, surgiram perfis e iniciativas que documentam e exaltam a ação de quem, por conta própria, repara o estrago: casos como o de Valerio Tuveri — descrito nas redes como “o rapaz que limpa Roma”, com cerca de 70 mil seguidores — e o perfil doctorwall em Milão ganharam destaque. Hoje, o anonimato de Ghost Pitùr e seu trabalho em Brescia ultrapassaram a casa dos 120 mil seguidores, ampliando o debate sobre vigilância cidadã, execução de serviços públicos e responsabilidade coletiva.
Em entrevista concedida enquanto seu perfil crescia nas redes, Ghost Pitùr contou que se mantém anônimo por questões de segurança e para evitar polêmicas jurídicas. Ele diz trabalhar como imbianchino profissional e, nas noites em que sai às ruas, usa técnicas relativamente simples — tinta e rolo, solventes quando necessário — para cobrir pichações e restaurar superfícies. O seu objetivo declarado é devolver dignidade aos espaços urbanos, sem aspirações políticas, apesar de a sua ação provocar reações variadas: aplausos em plataformas digitais, mas também questionamentos sobre legalidade e sobre quem deve financiar a manutenção da cidade.
O fenômeno revela contradições: por um lado, cidadãos e pequenos grupos mostram-se eficazes e rápidos na contenção da degradação; por outro, o recurso a iniciativas individuais não substitui políticas públicas estruturadas nem uma legislação clara para prevenir e punir o vandalismo. Além disso, críticos alertam para o risco de romantizar ações que, sem coordenação técnica, podem danificar superfícies históricas ou impedir intervenções de conservação profissional.
Enquanto o debate se intensifica nas redes e na praça pública, permanece a pergunta sobre como combinar a energia de voluntários urbanos com políticas públicas eficientes. Até lá, figuras como Ghost Pitùr — invisíveis durante o dia e celebradas à noite — continuarão a desempenhar um papel prático e simbólico na luta contra o vandalismo urbano.
Fonte: Artribune — https://www.artribune.com/professioni-e-professionisti/who-is-who/2025/09/ghost-pitur-imbianchino-pulisce-strade-brescia-intervista/































