Na última década, mais de um milhão de jovens italianos com menos de 35 anos deixaram o país. E esse número pode ser ainda maior, segundo estudos da Fondazione Nord Est, que alertam para a subnotificação oficial desses dados. O que está em curso não é apenas um episódio migratório, mas uma desidratação contínua da força jovem e produtiva da Itália — e, talvez mais grave, um fracasso estatal e social em reverter ou sequer mitigar esse movimento.
A Itália não apenas perde seus jovens, como também não consegue atrair outros para ocupar o espaço deixado. Trata-se de uma crise silenciosa, que vai além da já conhecida “fuga de cérebros”: é a saída em massa de jovens de todas as formações, níveis educacionais e regiões, em busca do que o próprio país não conseguiu lhes oferecer.
Não é fuga de cérebros, é fuga de expectativas
Segundo os dados mais recentes do ISTAT, 156 mil italianos saíram do país apenas em 2024. Pouco mais de 53 mil retornaram. Entre os jovens emigrantes, menos da metade possui diploma universitário. E entre os que saem, 44% são graduados, mas a maioria é formada por técnicos, trabalhadores qualificados e jovens de origem humilde — vindos de cidades pequenas, famílias com baixa renda, ou com escolarização incompleta.
Ou seja, não é só a elite que vai embora. São todos. Jovens que, em vez de esperar indefinidamente por um futuro improvável, fazem as malas e partem em busca de dignidade, oportunidades reais e qualidade de vida. O destino mais comum? Países do norte da Europa, como Alemanha, Holanda e Bélgica. Mas também Espanha, França e Irlanda.
Trabalhar, viver, equilibrar: os motivos para partir
Entre os fatores que mais pesam na decisão de emigrar, destaca-se a qualidade do ambiente de trabalho, a possibilidade de equilibrar vida pessoal e profissional e, claro, o salário. Mas há ainda uma camada subjetiva, difícil de medir: a sensação de pertencimento a um sistema em funcionamento.
Ao contrário, quem tenta voltar encontra um sistema burocrático, fechado e, muitas vezes, hostil à inovação. Como no caso de Livia D., confeiteira que, após anos em Amsterdã, tentou abrir uma padaria no interior da Toscana — mas esbarrou em resistências ao modelo de negócio, à ausência de contatos e à burocracia sufocante. Resultado: retornou ao exterior.
Quando voltar não compensa
“Saímos para juntar mais dinheiro e, quem sabe, voltar. Mas será que dá mesmo para voltar?” A pergunta de Livia ecoa em milhares de histórias semelhantes. Para muitos expatriados, o retorno só ocorre por razões familiares — como cuidar de pais idosos ou por laços afetivos. Quase nunca por motivação profissional.
Claudia R., por exemplo, vive em Bruxelas desde um estágio há dez anos. Hoje, com uma filha recém-nascida, ela gostaria de retornar, mas sabe que o companheiro dificilmente teria uma carreira no setor de videogames na Itália. A falta de oportunidades, somada à rigidez do mercado, trava a repatriação.
A Itália que não atrai
O ponto mais crítico talvez seja este: não é só que os jovens vão embora, é que nenhum estrangeiro quer ocupar seus lugares. Para cada jovem alemão, francês ou espanhol que se muda para a Itália, nove italianos fazem o caminho inverso. O fluxo é nitidamente unidirecional.
Milão, Roma, Bolonha — cidades vibrantes, sim, mas incapazes de competir com Copenhague, Berlim ou Barcelona em termos de salário, meritocracia e reconhecimento profissional. Como explica Philipp D., alemão de 31 anos que estudou na Bocconi: “Os estágios em Milão ofereciam 700 euros mensais e exigiam fluência em italiano. Fui para Copenhague.”
A liberdade e o luto de partir
É verdade: muitos dos que se vão conseguem prosperar. Segundo pesquisas, 57% dos jovens expatriados avaliam seu padrão de vida como elevado. Mas isso não significa que partir seja fácil. Como diz Enrico, arquiteto que vive na Catalunha, o processo de recriar raízes fora do país é longo e emocionalmente exigente.
“Todos nós, expatriados, sabemos o que significa. É preciso reconstruir força onde antes havia pertencimento. Mas isso também nos ensina sobre liberdade”, conclui ele.
E agora?
A Itália assiste à erosão silenciosa de seu futuro — e pouco faz para impedir. Enquanto as políticas públicas continuarem desconectadas da realidade dos jovens e da competitividade global, o ciclo se repetirá: sair, tentar, não voltar.
Afinal, quantas gerações ainda precisarão partir até que o país olhe para si mesmo com a seriedade de quem deseja reter — ou reconquistar — aqueles que cresceu, formou e perdeu?