A divulgação da nova Estratégia de Segurança Nacional dos Estados Unidos a primeira do segundo mandato do presidente Donald Trump abriu um novo capítulo de tensão transatlântica. O documento afirma que a Europa enfrenta o risco de uma “extinção civilizacional”, descreve seus aliados como enfraquecidos e sugere que alguns países europeus podem não ter, no futuro, economias ou forças armadas suficientemente robustas para permanecer aliados confiáveis de Washington.
A chefe da diplomacia da União Europeia, Kaja Kallas, porém, tratou de minimizar o tom alarmista vindo da Casa Branca. Em pronunciamento neste sábado (6), ela afirmou que os EUA continuam sendo “o maior aliado da Europa”, mas ressaltou que o continente precisa deixar de subestimar sua própria influência global.
Washington mira reafirmar domínio no Ocidente
O documento de segurança divulgado pela Casa Branca apresenta o que altos funcionários chamaram de “corolário Trump à Doutrina Monroe”, numa referência à política de 1823 que rejeitava interferências europeias no Hemisfério Ocidental e, posteriormente, serviu de justificativa para intervenções americanas na América Latina.
A nova formulação busca reforçar a preeminência dos EUA no hemisfério, expandir sua influência na região e, paralelamente, reposicionar sua relação com os aliados europeus. O texto contém críticas diretas às políticas de imigração adotadas na Europa e às regulações que combatem discurso de ódio e desinformação que Washington classifica como formas de “censura”.
Para diplomatas europeus, o documento representa um esforço de Washington para retomar protagonismo em áreas onde perdeu espaço nos últimos anos, além de pressionar por maior alinhamento político de parceiros europeus.
Kallas: “A Europa subestima seu próprio poder”
Apesar da retórica dura do governo americano, Kallas argumentou que a UE precisa reagir ao diagnóstico americano com mais confiança e menos dependência:
“A Europa tem subestimado seu próprio poder. Em relação à Rússia, por exemplo, deveríamos ter mais autoconfiança.”
Contudo, a diplomata criticou a condução dos EUA em torno das negociações de paz sobre a guerra na Ucrânia, especialmente diante das conversas que ocorrem em Miami entre autoridades americanas e ucranianas.
Segundo Kallas, o plano discutido em Washington que prevê concessões territoriais por parte da Ucrânia em troca de garantias de segurança pode comprometer a estabilidade internacional.
“Impor limitações à Ucrânia não nos traz uma paz duradoura. Se a agressão for recompensada, veremos isso acontecer novamente.”
Mudança de rota na política externa americana
A nova estratégia representa uma ruptura profunda em relação ao governo Biden, que tentou restaurar pontes com aliados abalados pelo primeiro mandato de Trump. Agora, a Casa Branca afirma que uma recomposição com a Rússia será possível apenas quando a guerra terminar e sugere que isso ajudaria a “restabelecer a estabilidade estratégica”.
Ao mesmo tempo, acusa seus aliados europeus de enfrentarem não apenas desafios internos, mas uma crise de identidade, marcada pela estagnação econômica e tensões sociais.
O documento vai além: fala em “apagamento civilizacional” em até 20 anos caso as tendências atuais persistam uma visão que provocou desconforto explícito em capitais europeias.
Ultradireita europeia em destaque
Os EUA também mencionam o avanço de partidos ultraconservadores e nacionalistas na Europa — muitos deles simpáticos à agenda de Trump como um sinal de “renascimento político”.
“A crescente influência de partidos patrióticos europeus realmente dá motivos para grande otimismo”, diz o documento.
A posição contrasta com a visão predominante dentro da UE, onde a ascensão desses movimentos é interpretada como sintoma das crises sociais e econômicas enfrentadas pelo continente.
Parceria intacta, tensões evidentes
Apesar das tentativas de Kaja Kallas de dissipar o clima de confronto, o novo documento estratégico americano evidencia mudanças profundas na visão que Washington tem da Europa e nas expectativas de seu papel no mundo.
A UE, por sua vez, tenta equilibrar dois caminhos:
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manter a aliança com os EUA, essencial para sua segurança;
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reafirmar autonomia estratégica, especialmente em temas como defesa, energia e política externa.
Entre alertas de “extinção civilizacional” e acenos a partidos de ultradireita, o recado de Washington é claro: os EUA querem uma Europa mais forte, desde que seja uma Europa alinhada. A resposta de Bruxelas, porém, sugere que o continente começa a repensar até que ponto está disposto a seguir essa direção.






























