O cenário jurídico que envolve o reconhecimento da cidadania italiana sofreu um novo e relevante desdobramento. A AGIS (Associação pelos Direitos da Cidadania Italiana no Exterior) anunciou que o Tribunal de Torino acolheu a questão de legitimidade da Lei nº 74/2025 – anteriormente conhecida como Decreto-Lei nº 36/2025, apelidado de “Decreto Tajani” e encaminhou o caso à Corte Constitucional Italiana. A decisão não representa ainda um juízo sobre o mérito da constitucionalidade da norma, mas marca oficialmente a abertura de um processo de revisão que poderá ter impactos profundos na legislação da cidadania.
O Tribunal de Torino, ao julgar um processo que envolve a aplicação da nova Lei nº 74/2025, levantou dúvidas sobre sua compatibilidade com os princípios constitucionais italianos, especialmente no que diz respeito:
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À regra de reciprocidade imposta aos cidadãos de países não pertencentes à União Europeia;
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À restrição do reconhecimento automático da cidadania italiana a menores de idade, filhos de requerentes já reconhecidos como cidadãos.
Esses pontos foram apontados pela AGIS como obstáculos inconstitucionais que ferem os direitos fundamentais e os princípios da igualdade de tratamento previstos na Constituição Italiana. Diante disso, o juiz considerou legítimo suspender o julgamento e acionar a Corte Constitucional.
Qual é o objeto da análise da Corte Constitucional?
É importante destacar que este processo não é sobre a Lei nº 91/1992, que é a norma geral da cidadania italiana, mas sim sobre a Lei nº 74/2025, uma norma recente que complementa a legislação de 1992 com restrições mais severas. O questionamento atual é um julgamento de inconstitucionalidade autônomo, com foco nas mudanças trazidas por essa nova legislação, sobretudo nas condições para transmissão da cidadania a descendentes residentes no exterior.
Por que a Corte Constitucional foi acionada?
No direito italiano, quando um juiz, durante um processo, acredita que uma lei que deveria ser aplicada no caso possa ser inconstitucional, ele pode suspender o processo e enviar o questionamento à Corte Constitucional. Esse procedimento está previsto no artigo 134 da Constituição e é um mecanismo essencial de controle difuso de constitucionalidade.
Com a aceitação do pedido pelo Tribunal de Torino, agora cabe à Corte agendar uma audiência para o exame da questão, o que pode ocorrer até o final de 2026. Durante esse período, os tribunais italianos tendem a manter suspensas decisões em casos semelhantes ou a aguardar a definição do precedente constitucional.
Quais são os possíveis cenários a partir de agora?
A seguir, apresentamos três cenários possíveis diante desse novo capítulo jurídico:
Cenário 1: A Corte Constitucional declara a Lei nº 74/2025 inconstitucional (total ou parcialmente)
Esse é o cenário que representa maior impacto jurídico e político. Caso a Corte julgue que as restrições trazidas pela Lei nº 74/2025 – como a regra de reciprocidade ou as limitações ao reconhecimento de menores – violam a Constituição, essas partes da lei deixam de produzir efeito. Isso abriria caminho para:
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O retorno ao modelo anterior da cidadania por descendência sem restrições adicionais;
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O reconhecimento facilitado de filhos menores;
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A retomada da segurança jurídica para descendentes fora da União Europeia.
Cenário 2: A Corte Constitucional valida integralmente a Lei nº 74/2025
Nesse caso, a Corte considera a nova legislação compatível com os princípios constitucionais. Isso consolidaria o Decreto Tajani como um instrumento legítimo, o que:
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Fortaleceria as restrições hoje em vigor;
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Validaria as exigências de reciprocidade e limites à transmissão automática da cidadania;
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Criaria jurisprudência mais restritiva, tornando os pedidos de cidadania mais difíceis para brasileiros e latino-americanos em geral.
Cenário 3: Julgamento parcial – a Corte declara apenas alguns artigos inconstitucionais
Esse cenário é o mais provável, dado o histórico da Corte Constitucional Italiana, que tende a buscar equilíbrios institucionais. Por exemplo, a Corte poderia:
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Considerar válida a exigência de residência, mas eliminar a barreira de reciprocidade;
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Declarar inconstitucional a exclusão dos menores, mas manter outras exigências.
Esse desfecho permitiria que a nova legislação sobreviva, mas com ajustes importantes a favor dos requerentes.
E a Lei nº 91/1992?
A Lei nº 91/1992 segue sendo a base da cidadania italiana por sangue (jus sanguinis). Embora também tenha sido alvo de críticas e propostas de reforma, sua constitucionalidade não foi diretamente contestada neste momento. A estratégia jurídica, ao que tudo indica, foi concentrar esforços em atacar a nova lei, que é mais vulnerável constitucionalmente por tratar de limitações adicionais e não previstas na norma original.
Um momento decisivo
A decisão do Tribunal de Torino em levantar a questão de constitucionalidade da Lei nº 74/2025 representa um passo jurídico significativo para todos os descendentes de italianos no exterior. Embora ainda seja cedo para prever os efeitos práticos, o envio do caso à Corte Constitucional mostra que o tema não está encerrado e que há espaço para revisão crítica da nova legislação.
A comunidade internacional e os interessados na cidadania italiana devem acompanhar de perto os próximos meses, pois a audiência e posterior decisão da Corte poderão moldar o futuro do reconhecimento da cidadania por descendência. A expectativa é que, até o fim de 2026, tenhamos uma resposta definitiva sobre a validade da chamada Lei Tajani.