RESUMO
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A pobreza na Itália deixou de ser um fenômeno transitório. Tornou-se uma realidade crônica, estrutural, enraizada no cotidiano de milhões de pessoas. É o que confirma o Relatório da Pobreza 2025 da Caritas Italiana, apresentado na capital junto ao Balanço Social da instituição. Os números são expressivos, mas é na mudança de perfil dos atendidos e na persistência das dificuldades que se desenha o retrato mais inquietante: cada vez mais italianos, idosos e trabalhadores formalizados estão entre os vulneráveis que recorrem à rede de apoio.
Em 2024, foram 277.775 pessoas acompanhadas pelos centros informatizados da Caritas, espalhados por 204 dioceses italianas. Um aumento de 62,6% em relação a 2014, com destaque para o crescimento no norte do país, onde o salto foi de 77%. Ainda que a maioria dos assistidos seja estrangeira (56,2%), a diferença entre nacionais e não nacionais vem diminuindo: 42,1% dos atendidos são italianos, e 1,7% têm dupla cidadania ou são apátridas.
Quem são os novos pobres?
São muitos os rostos da pobreza hoje. Entre os estrangeiros, as nacionalidades predominantes são marroquina, peruana, romena e ucraniana — sendo o Peru, surpreendentemente, o segundo grupo mais presente, um salto significativo desde anos anteriores.
Mas é dentro de casa, entre os próprios cidadãos italianos, que a vulnerabilidade mais assusta. A Caritas confirma um fenômeno crescente: os “trabalhadores pobres”, pessoas com emprego regular, mas que não conseguem garantir o básico. Eles representam 23,5% dos atendidos, e sua presença é mais forte na faixa dos 35 aos 54 anos. Já os desempregados somam 47,9%, e os inativos completam o restante.
“Há quinze anos, dois terços dos atendidos eram desempregados e apenas 15% tinham emprego. Hoje, a realidade se inverte. Isso nos mostra como o trabalho, sozinho, já não é suficiente para escapar da pobreza”, analisa Marco Pagniello, diretor da Caritas Italiana.
Velhos e esquecidos: o crescimento entre os idosos
Outro dado que chama atenção é o aumento do número de idosos em situação de vulnerabilidade. Os atendimentos a pessoas com mais de 65 anos passaram de 7,7% para 14,3% desde 2015. Muitas dessas pessoas vivem sozinhas, com aposentadorias insuficientes, e enfrentam dificuldades tanto no acesso a moradia digna quanto a cuidados médicos adequados.
O drama das famílias com filhos
As famílias seguem como o núcleo mais afetado pela crise social: 63,4% dos atendidos vivem com filhos, e boa parte deles são menores de idade. A Caritas alerta para os efeitos de longo prazo da pobreza na infância — desde o abandono escolar precoce até a dificuldade de inserção no mercado de trabalho.
“A pobreza está deixando de ser uma fase para se tornar um estado permanente. Isso exige políticas públicas estruturais, não apenas medidas emergenciais”, afirma Vanessa Pallucchi, porta-voz do Fórum do Terceiro Setor.
A precariedade da moradia e dos cuidados
Dois eixos concentram os maiores pedidos de ajuda: moradia e acesso à saúde. O aumento do custo de vida, mesmo com a desaceleração da inflação (+1% em 2024), continua a impactar diretamente o orçamento familiar. Entre 2019 e 2024, os salários reais caíram 4,4%, segundo a OIT. Pior ainda: desde 2008, o poder de compra na Itália encolheu 8,7%, o pior índice entre os países do G20.
“Mesmo quem tem trabalho hoje vive na corda bamba. Os aluguéis disparam, as contas aumentam e o salário estagna. Estamos acompanhando mais e mais pessoas em situações de moradia precária ou mesmo sem teto”, afirma Federica De Lauso, pesquisadora da Caritas.
A Itália no contexto europeu
O fenômeno italiano reflete uma tendência continental. Segundo dados da Eurostat, 21% da população europeia está em risco de pobreza ou exclusão social, totalizando mais de 93 milhões de pessoas. A Itália ocupa a sétima posição nesse ranking alarmante, com 23,1% de sua população sob risco, acima da média europeia.
O que pode mudar esse cenário?
Educação ainda é considerada o maior “antídoto” contra a pobreza, segundo o relatório. Mas, por si só, também não basta. O que se exige é uma intervenção articulada: políticas públicas eficazes, valorização dos salários, acesso garantido a serviços básicos e uma verdadeira reforma do sistema de proteção social.
Carlo Roberto Maria Redaelli, presidente da Caritas Italiana, resume o desafio: “Não basta acolher. Precisamos agir politicamente. A pobreza deixou de ser uma emergência e se tornou um dado estrutural da nossa sociedade. Não podemos continuar a tratá-la como algo passageiro.”