Pesquisas recentes dos cientistas políticos Benjamin Page e Martin Gilens reforçam uma constatação incômoda: nas democracias ocidentais, as decisões políticas só refletem a vontade da maioria quando coincidem com os interesses das elites econômicas. Fora disso, a opinião pública pouco ou nada influencia as políticas vigentes. A liberdade de expressão, nesse cenário, permanece como direito formal, mas com eficácia limitada, mais como prova de que existe do que como ferramenta real de transformação.
Esse diagnóstico de fragilidade democrática ganha contornos concretos nas negociações internacionais conduzidas hoje, especialmente nas mãos de líderes como Giorgia Meloni e Donald Trump, cujas decisões moldam não apenas o presente, mas o alcance efetivo da participação popular nas grandes questões globais.
O teste da Ucrânia
A guerra na Ucrânia tornou-se palco de um embate diplomático que coloca em evidência esses limites. Bruxelas defende quatro pontos centrais:
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Garantia da integridade territorial ucraniana
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Cessar-fogo imediato
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Segurança permanente para Kiev no pós-guerra
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Acesso da Ucrânia à União Europeia
A presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, tem repetido que a segurança da Europa depende diretamente da estabilidade da Ucrânia. Mas, para avançar, é preciso convencer um interlocutor-chave: Donald Trump.
Trump, Putin e o Alasca
O presidente norte-americano prepara uma cúpula em 15 de agosto, no Alasca, com um formato inusitado: apenas Vladimir Putin estará presente. A reunião com Volodymyr Zelensky ficaria para depois, e líderes europeus seriam mantidos à margem. O encontro, segundo Trump, incluirá discussões sobre possíveis concessões territoriais, um ponto que Kiev e a União Europeia rejeitam.
Bruxelas tenta mudar esse quadro. Uma série de telefonemas, videoconferências e reuniões de emergência vem sendo realizada para pressionar a Casa Branca a abrir espaço para mais vozes na mesa de negociação.
A última cartada de Meloni
Entre os que tentam reverter a decisão está Giorgia Meloni, que mantém um canal direto com Trump, resultado do papel de “ponte” que cultivou nos últimos anos. A primeira-ministra italiana ligou pessoalmente ao presidente norte-americano, numa tentativa de convencê-lo a incluir Zelensky e representantes europeus na cúpula do Alasca.
Fontes do jornal La Repubblica confirmam a ligação, mas o conteúdo exato permanece sigiloso. Presume-se que Meloni tenha seguido a linha defendida pelo ministro italiano das Relações Exteriores, Antonio Tajani, que, em reunião de emergência com a estoniana Kaja Kallas e outros chanceleres da UE, reiterou a necessidade de participação direta da Ucrânia nas discussões.
Um impasse com implicações maiores
A contraproposta europeia, apresentada no último domingo durante encontro entre líderes da UE e Zelensky no Reino Unido, sugere um cessar-fogo imediato e a análise posterior de qualquer questão territorial, com exigência de reciprocidade. Até agora, Kiev mantém posição firme: nenhuma cessão unilateral de território.
O desfecho dessas negociações vai além do destino da Ucrânia. Ele será também um indicador de até que ponto, na era de Meloni e Trump, decisões cruciais para milhões de pessoas podem ser moldadas por canais informais e pelo alinhamento entre vontades políticas e interesses econômicos, uma realidade que coloca à prova não apenas a geopolítica, mas o sentido prático da democracia.