Roma — Em 2024, o Tribunal Constitucional italiano declarou a inconstitucionalidade de 94 leis, em um total de 212 sentenças proferidas. O dado chama atenção não apenas pela quantidade, mas pelo sinal de alerta que levanta sobre o equilíbrio de poderes entre o Parlamento e o Judiciário. Em entrevista coletiva concedida após a apresentação do relatório anual da Corte, o presidente Giovanni Amoroso fez questão de reafirmar a legitimidade da atuação judicial como limite técnico e não político.
“O reconhecimento de novos direitos cabe ao Parlamento”, afirmou Amoroso, “mas os limites gerais do poder legislativo incluem os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, cada vez mais invocados nas decisões da Corte.”
Limites em foco: quem define o razoável?
A tensão entre os poderes ficou evidente na análise do relatório. Os conceitos de razoabilidade e proporcionalidade, alicerçados no Artigo 3 da Constituição Italiana, têm servido de fundamento para decisões que reescrevem, cancelam ou reformulam leis aprovadas pelo Parlamento. Segundo críticos, trata-se de um terreno nebuloso, onde os critérios jurídicos podem acabar se sobrepondo à vontade popular expressa democraticamente.
O subsecretário Alfredo Mantovano, em declarações recentes, criticou o que chamou de “criação de normas por via jurisprudencial”, alertando para o risco de uma “justiça criativa” que altera marcos legais, inclusive na definição de penas mínimas e máximas de crimes.
Judiciário ativista ou legislador ineficiente?
O próprio Amoroso reconhece a complexidade da questão. “Não é aceitável que haja ataques pessoais que deslegitimem o Judiciário”, declarou, sem negar que o crescente número de sentenças por inconstitucionalidade reflete também um problema de qualidade técnica na redação das leis. Segundo ele, a atuação da Corte é, em muitos casos, uma resposta necessária a leis mal formuladas, que não respeitam os parâmetros constitucionais de equilíbrio e justiça.
Entre os métodos de correção apontados no relatório estão:
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Redefinição de penas desproporcionais, comparadas com outras normas internas e europeias;
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Anulação de regras que violam o princípio da igualdade, com base no Art. 3;
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Corte de dispositivos “importados” de outros sistemas jurídicos sem contextualização adequada.
Proporcionalidade: critério técnico ou político?
Especialistas destacam que o uso recorrente da proporcionalidade como régua para julgar leis é também seu ponto frágil: falta de objetividade. Ao contrário da razoabilidade, que tem histórico doutrinário mais definido, a proporcionalidade pode variar conforme o intérprete. Essa maleabilidade, dizem críticos, torna o Judiciário um ator cada vez mais ativo no cenário político.
A crescente judicialização da política, e a politização das decisões judiciais, parecem inevitáveis num contexto de polarização e produção legislativa acelerada, onde muitas normas são aprovadas com pressa e sem ampla análise constitucional.
O balanço de 2024 apresentado pelo Tribunal Constitucional evidencia uma realidade incômoda: quase metade das leis julgadas foram consideradas inconstitucionais. Se por um lado isso demonstra a atuação vigilante da Justiça, por outro levanta questões sérias sobre a qualidade técnica do legislador e os limites da intervenção judicial na política.
A discussão está longe do fim. E no embate entre democracia representativa e garantias constitucionais, o fio da navalha continua sendo a interpretação — sempre sensível — do que é “razoável” e “proporcional”.