Por trás das discussões parlamentares em Roma, a vida de milhares de jovens continua suspensa entre duas realidades. De um lado, cresceram na Itália, estudaram nas escolas italianas, falam o idioma e compartilham a cultura local. De outro, ainda não são considerados italianos. A razão? O impasse político sobre as regras de concessão da cidadania para filhos de migrantes, tema que há anos entra e sai da pauta legislativa, sem encontrar uma resolução concreta.
As propostas que voltam ciclicamente ao debate são conhecidas: ius soli (direito à cidadania por nascimento em solo italiano), ius scholae (direito concedido a quem completa um ciclo escolar na Itália) e a mais recente, apresentada pela Forza Italia, batizada de ius Italiae. O conteúdo desta última ainda é vago, mas parece buscar um meio-termo entre as duas abordagens anteriores.
Briga de siglas, vidas em espera
Enquanto o Partido Democrático (PD) defende o ius scholae, a proposta da Forza Italia, partido liderado pelo ministro das Relações Exteriores Antonio Tajani, parece menos uma proposta concreta e mais uma tentativa de marcar posição dentro da base governista. Isso porque seus aliados, Irmãos da Itália e Liga, são firmemente contrários a qualquer forma de ampliação dos direitos de cidadania para migrantes.
Na prática, a disputa política transforma o tema em um campo de batalha simbólico. Os principais afetados, os filhos de estrangeiros que vivem legalmente no país, assistem de fora.
“Estamos falando de quase um milhão de meninas e meninos, a maioria nascidos na Itália, que estudam nas nossas escolas, brincam com os nossos filhos e netos, mas que não têm os mesmos direitos”, afirma Manuela Calza, secretária nacional da FLC-CGIL (Federação dos Trabalhadores do Conhecimento da central sindical italiana).
Cidadania como ferramenta de inclusão
Para Calza, o reconhecimento da cidadania vai além de uma questão burocrática. “É uma questão de responsabilidade, pertencimento, consciência de direitos e deveres. A cidadania é um elemento eficaz de inclusão. Por isso, falar de ius soli e ius scholae é absolutamente urgente”, reforça.
Ela lembra ainda que a proposta deve incluir não só os nascidos em solo italiano, mas também aqueles que, embora tenham nascido em outros países, fizeram um percurso de vida e educação na Itália. “Vivemos numa sociedade multicultural. Incluir essas pessoas é um passo de civilidade para toda a sociedade italiana”, completa.
Cidadania e segurança: narrativas distorcidas
Outro ponto criticado por Calza é a tentativa do governo de misturar o debate da cidadania com o da segurança pública. “Durante o referendo de 8 e 9 de junho, vimos uma propaganda enganosa que tentou fazer essa conexão. São temas completamente distintos. Estamos falando de pessoas que vivem regularmente na Itália, que trabalham, pagam impostos, contribuem com a sociedade.”
A maioria governa por decreto
Apesar da crescente pressão social, a maioria parlamentar do governo continua a governar por meio de decretos. Isso evita discussões aprofundadas no Parlamento. Essa prática, segundo Calza, enfraquece o papel das instituições democráticas e impede um debate mais justo e informado com a sociedade civil.
“Não podemos nos render. É necessário agir também na esfera pública, promovendo informação verdadeira e combatendo a narrativa excludente e discriminatória que hoje domina o discurso”, defende a sindicalista.
Um limbo que favorece a exploração
Por fim, persiste uma preocupação recorrente. A exclusão legal dos filhos de migrantes pode favorecer sua exploração no mercado de trabalho. Sem cidadania, muitos jovens enfrentam restrições legais e, consequentemente, maior vulnerabilidade, aceitando empregos informais, mal remunerados e sem proteção legal.
Enquanto isso, a cidadania plena continua a ser adiada. E o preço é pago por quem cresceu com a bandeira tricolor no peito, mas continua invisível diante da lei.