O aguardado Decreto-Lei 36/2025, que propõe mudanças profundas no reconhecimento da cidadania italiana ius sanguinis, entra hoje em sua fase decisiva no Senado italiano. Mas, apesar da maioria de direita em tese favorável ao texto, tensões internas ameaçam a coesão da coalizão governista, especialmente no tocante ao impacto da medida sobre os descendentes de italianos no exterior.
Um Decreto Polêmico em Votação
A sessão que ocorre nesta quinta-feira, às 13h30 no horário de Roma, vota o texto final do decreto que limita o direito à cidadania italiana por descendência apenas aos filhos e netos de italianos nascidos na Itália, exigindo ainda que o ascendente tenha mantido exclusivamente a cidadania italiana até a morte. Um critério que, na prática, exclui milhares de descendentes de italianos em países como o Brasil, Argentina e Estados Unidos.
Além disso, o decreto sugere a criação de um visto especial de trabalho para descendentes de italianos em países de forte emigração. Esse visto permitiria a entrada legal na Itália, com a possibilidade de naturalização após dois anos de residência.
Liga Norte em Dúvida: Tensões na Base de Governo
Apesar de o texto ter avançado nas comissões, a Liga Norte — tradicional aliada da coalizão liderada por Giorgia Meloni — demonstrou desconforto crescente. O senador Paolo Tosato, membro veterano do partido e integrante da Comissão de Assuntos Constitucionais, chegou a se ausentar da votação preliminar em protesto, alegando discordância com a linha adotada pela própria sigla.
A hesitação da Liga reflete o temor de causar fraturas com a comunidade italiana no exterior, especialmente entre os eleitores com raízes no norte da Itália — justamente o berço do partido. Embora Salvini tenha reafirmado que o partido votará com o governo, o desconforto é palpável.
Italianos no Exterior Reagem: Campanhas e Pressão Internacional
A pressão das comunidades de italianos fora da Itália, particularmente na América Latina, cresceu nas últimas semanas. Movimentos como o Maie (Movimento Associativo Italiani all’Estero), normalmente alinhado à maioria, ameaçam votar contra o texto. A proposta de restringir o direito à cidadania para apenas duas gerações de descendência e excluir pessoas com dupla nacionalidade é considerada discriminatória e potencialmente inconstitucional.
Clima de Incerteza
O impasse sobre o decreto da cidadania é apenas um dos pontos de atrito na coalizão. O decreto de segurança, promovido pela própria Liga, também enfrenta resistência dentro e fora do Parlamento — tanto por sua dureza quanto por críticas do Conselho Superior da Magistratura, que alerta para um uso excessivo do direito penal.
Em um movimento de contenção de danos, a coalizão de direita convocou uma reunião interna e decidiu retirar dezenas de emendas para acelerar os trabalhos, ao mesmo tempo em que negocia com a oposição a manutenção de apenas 500 emendas consideradas “prioritárias”.
A exclusão de descendentes com dupla cidadania e a imposição de novas regras, como a exigência de nível B1 de italiano para manter a cidadania, foram pontos duramente criticados — inclusive pelo Ministério da Economia. Segundo relatório técnico, as propostas teriam elevado custo de implementação e risco de criar italianos apátridas, gerando disparidades de difícil justificativa.
Uma Reta Final Incerta
O governo Meloni busca consolidar sua maioria e aprovar o texto até o prazo limite de 27 de maio, sob risco de perda de validade do decreto. No entanto, os conflitos internos revelam não apenas divergências políticas, mas uma tensão ideológica mais profunda sobre o significado da italianidade e a relação da Itália com seus milhões de descendentes ao redor do mundo.
Neste momento delicado, é evidente que o mundo e os descendentes de italianos clamam por soluções legais que preservem suas raízes e vínculos com a Itália. Seguimos atentos aos desdobramentos dessa votação decisiva.