Em 24 de junho de 2025, o Tribunal Constitucional italiano irá se pronunciar sobre a legitimidade do artigo 1º da Lei nº 91 de 1992 — a lei que reconhece o direito à cidadania italiana por descendência, estendendo-o aos filhos de cidadãos italianos, independentemente de onde tenham nascido. A decisão pode marcar um divisor de águas no relacionamento entre a Itália e os milhões de descendentes de italianos espalhados pelo mundo.
Contudo, o governo italiano se antecipou ao julgamento ao aprovar, em 28 de março, o decreto-lei n.º 36/2025, que bloqueia a transmissão da cidadania italiana para filhos de italianos nascidos no exterior, caso não tenham solicitado o reconhecimento até às 23h59 do dia anterior, 27 de março. A medida, tida por muitos como abrupta e desproporcional, levanta sérias dúvidas sobre sua urgência, especialmente diante da iminente avaliação do Tribunal Constitucional.
Desnacionalização em massa?
Na prática, o decreto interrompe um direito historicamente assegurado, desconsiderando o papel essencial dos emigrantes italianos na reconstrução econômica do país. Milhões de descendentes, mesmo sem residência na Itália, mantêm laços afetivos, culturais e financeiros com suas origens italianas — seja por meio de investimentos, turismo, envio de remessas ou manutenção de tradições familiares.
Essa iniciativa surge em total contradição com o próprio “Ano do Turismo de Raízes”, proclamado pelo Ministério das Relações Exteriores, com eventos programados até fevereiro de 2025. O objetivo era justamente fortalecer o vínculo entre a Itália e seus descendentes no exterior, incentivando o retorno às terras de origem e valorizando as raízes familiares. Agora, um mês após o encerramento oficial do projeto, a decisão do governo aponta para uma direção oposta e excludente.
Uma ruptura com a Constituição?
O decreto também entra em rota de colisão com a Constituição Italiana, que garante a liberdade de circulação (art. 16) e a proteção ao trabalho italiano no exterior (art. 35), além de não impor qualquer obrigatoriedade de residência para o exercício de direitos civis.
Segundo diversas associações e entidades, como o Ente Bergamaschi nel Mondo, a medida representa uma tentativa clara de desnacionalização em massa. Eles alertam que milhares de pessoas, que já se identificam como cidadãos italianos e possuem laços genuínos com o país, estão sendo sumariamente excluídas.
Propostas alternativas
Em resposta, o Ente Bergamaschi nel Mondo propõe alternativas equilibradas, como:
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Reconhecimento do direito à cidadania até o terceiro grau de descendência, sem exigência de nascimento na Itália.
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Residência mínima de um ano em território italiano para gerações posteriores.
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Comprovação de vínculo efetivo com a Itália, por meio de conhecimento básico de língua, história e cultura italianas, ou posse de título de estudo italiano.
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Consideração da posse de imóvel na Itália por mais de 10 anos como vínculo válido.
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Reforço do sistema consular para lidar com a demanda crescente.
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Penalidades severas para fraudes documentais e venda de cidadanias.
Cidadania: direito e responsabilidade
A principal preocupação é que, da forma como foi redigida, a nova legislação compromete uma herança coletiva construída ao longo de gerações — fruto do esforço de milhões de italianos que, mesmo vivendo no exterior, mantiveram viva a ligação com suas origens e contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento da Itália.
Diante desse cenário, o Parlamento tem agora a responsabilidade histórica de revisar o decreto com equilíbrio, sensatez e respeito à memória da emigração italiana. Ignorar essa demanda significaria não apenas romper laços afetivos e culturais, mas também desperdiçar uma das maiores riquezas da Itália: a sua diáspora.