Foi aprovado o decreto-lei que altera profundamente o acesso à cidadania italiana por ius sanguinis, limitando o reconhecimento apenas a filhos e netos de italianos nascidos na Itália. A decisão foi sacramentada nesta semana após tramitação no Senado e debate acalorado na Câmara dos Deputados, desencadeando protestos e um clima de indignação entre as maiores comunidades de descendentes italianos fora da Europa, especialmente no Brasil e na Argentina.
Com a nova lei, passam a ser considerados italianos por descendência apenas aqueles que têm um dos pais ou avós nascidos na Itália. Quem nasceu no exterior e já possui a cidadania de outro país, não poderá mais adquirir a cidadania italiana automaticamente, mesmo que comprove ascendência italiana. O ponto mais controverso: a medida vale de forma retroativa, atingindo pedidos já em curso ou pessoas que ainda não completaram o processo.
O que muda com o novo decreto sobre cidadania italiana?
O Decreto-Lei nº 36, de 28 de março de 2025, altera regras importantes sobre quem tem direito à cidadania italiana. A seguir, explicamos ponto a ponto o que muda:
1. Cidadania por descendência só até os avós
Antes, era possível pedir a cidadania italiana mesmo sendo bisneto ou trineto de um italiano. Agora, a nova lei limita esse direito apenas a quem tem pai ou avô nascido na Itália. Ou seja, só vale até a segunda geração. Se seu bisavô nasceu na Itália, você não poderá mais solicitar a cidadania automaticamente por sangue.
2. Sem cidadania italiana se já tiver outra
Se você nasceu fora da Itália e já tem a cidadania de outro país (por exemplo, brasileira ou argentina), não poderá mais pedir a cidadania italiana por descendência, mesmo que tenha pai ou avô italiano. A nova regra impede a dupla cidadania automática para descendentes nascidos no exterior.
3. A nova regra vale também para casos antigos
Essa é uma das mudanças mais polêmicas. O decreto será aplicado de forma retroativa, o que significa que quem nasceu antes da lei entrar em vigor também será afetado. Ou seja, mesmo que você tenha começado o processo antes da nova regra, ele poderá ser cancelado se não estiver de acordo com as novas exigências.
4. Cidadania para menores de idade
Crianças nascidas fora da Itália só poderão se tornar cidadãs italianas se os pais ou tutores legais fizerem uma declaração formal de vontade. Além disso, a criança deve residir legalmente e sem interrupções na Itália por pelo menos dois anos consecutivos após essa declaração.
5. Cota especial para descendentes de italianos no exterior
Apesar das restrições, o decreto prevê uma cota extra no Decreto Fluxos para permitir a entrada legal de descendentes de italianos que vivem fora da Itália. Essa cota será destinada a pessoas que vivem em países que tiveram forte imigração italiana no passado, como Brasil e Argentina. As condições e os países incluídos ainda serão definidos por um novo decreto do Ministério das Relações Exteriores.
Critérios para a Permissão
Para ter acesso à permissão, o descendente precisa:
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Possuir a cidadania de um país que tenha tido relevante fluxo de emigração italiana.
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Estar em um dos países que serão oficialmente listados por decreto conjunto dos Ministérios dos Negócios Estrangeiros, do Interior e do Trabalho.
Importante: Antes de se encantar com a ideia de morar e trabalhar na Itália por meio da nova permissão especial prevista no Decreto-Lei nº 36/2025 — já aprovado pela Câmara dos Deputados e prestes a ser convertido em lei — é fundamental ter uma visão realista sobre os desafios que acompanham essa mudança.
Alugar um imóvel na Itália, por exemplo, pode ser uma verdadeira prova de paciência: a procura é alta, os preços costumam ser elevados e o processo envolve uma série de exigências burocráticas. Soma-se a isso o custo de uma mudança internacional, que exige não apenas planejamento financeiro, mas também preparo emocional. Afinal, não se trata apenas de trocar de endereço, mas de recomeçar a vida em um novo país, com outra cultura, outro idioma e novos códigos sociais.
Outro ponto crucial é o mercado de trabalho. Encontrar um emprego estável pode ser o maior desafio da jornada. Por isso, antes de embarcar nessa aventura, vale a pena avaliar cada aspecto com cuidado e responsabilidade. O sonho de uma nova vida é possível, mas ele só se concretiza com preparo, informação e pé no chão.
6. Reaquisição da cidadania
Se você nasceu na Itália ou morou lá por pelo menos dois anos seguidos, mas perdeu a cidadania italiana ao se naturalizar em outro país, poderá pedi-la de volta. Para isso, será necessário pagar uma taxa de 250 euros e cumprir os requisitos indicados na nova lei.
Comunidades protestam: “Traição e decepção”
As reações mais contundentes vieram da Argentina e do Brasil, onde vivem as maiores comunidades de descendentes italianos fora da Europa. Apenas na Argentina, onde há 1,2 milhão de inscritos nos registros consulares, estima-se que entre 12 e 20 milhões de pessoas tenham potencial interesse na cidadania. No Brasil, esse número chega a 30 milhões, com 20 milhões apenas no estado de São Paulo.
Nas redes sociais e associações comunitárias, palavras como “traição”, “exclusão” e “discriminação” dominaram os discursos. “É o rompimento de um laço cultural e familiar profundo. Estamos sendo apagados da história italiana”, declarou um representante da comunidade ítalo-brasileira em São Paulo.
Juristas sob pressão e promessas de ação judicial
O jurista veneto Stefano Soliman, defensor da restrição ao ius sanguinis, tornou-se alvo de críticas e ameaças judiciais por parte de descendentes indignados, especialmente no Brasil. “Agora vamos processar”, afirmam lideranças em grupos de descendentes organizados, que consideram a nova norma inconstitucional e discriminatória.
Uma “vitória” para o governo Meloni
Enquanto a oposição fala em exclusão, o governo de direita celebra. A deputada De Pellegrin (FDI) chamou a aprovação de “uma jornada histórica” para os italianos que “realmente vivem e constroem o país”. O governo argumenta que o decreto visa “racionalizar” o acesso à cidadania e evitar abusos.
E agora?
A expectativa agora recai sobre a regulamentação das cotas especiais para descendentes e a possível judicialização da medida, tanto na Itália quanto em cortes internacionais.
A controvérsia sobre o pertencimento à identidade italiana, no entanto, está longe de acabar.