A reta final para a apresentação das emendas ao Orçamento expôs, mais uma vez, o cenário fragmentado e conflituoso dentro e fora da coalizão de governo. Até o prazo de ontem pela manhã, foram protocoladas cerca de 5.500 propostas sendo 1.600 provenientes dos partidos governistas. A liderança numérica ficou com o Forza Italia (FI), que apresentou 677 emendas, seguido pelos Irmãos da Itália (FdI), com 500, pela Liga, com 399, e por Noi Moderati, com 62. A oposição completou o quadro com aproximadamente 3.800 emendas.
A maioria, porém, não sobreviverá ao funil político: espera-se que apenas pouco mais de 400 sejam efetivamente “apresentadas”, ou seja, consideradas viáveis para estudo e inclusão na megaemenda final. A primeira-ministra Giorgia Meloni já deixou claro o objetivo: manter os saldos inalterados, preservando o caráter “rigoroso” do texto aprovado pelo Conselho de Ministros.
A corrida por recursos: ouro, remessas e novos fundos
Parte da margem de manobra pode vir de medidas controversas entre elas, a proposta de taxação do ouro ou a contribuição sobre encomendas de menos de 2 kg enviadas de países extra-UE, tema já aprovado pelo Ecofin.
O Forza Italia reforça o foco no ouro: o senador Maurizio Gasparri propõe um imposto de 13% sobre metais preciosos detidos a partir de 2026, substituindo o imposto de renda atual. O objetivo, segundo defensores da medida, é evitar cortes nos dividendos das holdings familiares.
A Liga segue linha semelhante, sugerindo uma taxa preferencial de 12,5% para a reavaliação de ouro destinado a investimento. O partido também pressiona pela ampliação do programa de incentivo à compra de ativos e defende duplicar a taxa básica do IRAP aplicada a bancos e seguradoras, de 2% para 4%, canalizando a arrecadação para fortalecer o setor de segurança pelos próximos três anos.
O FI, por sua vez, tenta eliminar o aumento previsto para aluguéis de curta duração e propõe incentivos fiscais diretos para mães trabalhadoras um dos poucos pontos em que as legendas de centro-direita convergem.
Da greve aos recém-nascidos: as propostas inusitadas do FdI
Algumas das propostas mais peculiares vieram dos Irmãos da Itália. Uma delas prevê que trabalhadores do transporte declarem por escrito, com sete dias de antecedência, a intenção de aderir a greves e que essa declaração seja irrevogável. A medida, porém, tem relevância limitada para a discussão orçamentária.
Outra proposta cria um fundo de pensões complementar para recém-nascidos a partir de 2026, ativado com um aporte inicial mínimo de 100 euros da família nos primeiros três meses de vida. O INPS acrescentaria 50 euros, e o jovem poderia resgatar os recursos ao completar 18 anos para investir em estudos, formação profissional ou abertura de um negócio.
Mas a emenda mais explosiva veio do senador Antonio Iannone, que propõe reabrir a anistia de construção de 2003, excluindo apenas imóveis erigidos em áreas restritas. O senador sustenta que moradores da Campânia foram discriminados na época por “erro da Região”. A oposição reagiu de forma imediata: o Partido Democrático classificou a proposta como “promessa eleitoral disfarçada”, considerando a proximidade das eleições regionais.
A oposição parte para o ataque
A líder do PD, Elly Schlein, cobra uma reação “unida e teimosa” da oposição. Segundo ela, as 16 emendas conjuntas apresentadas têm o objetivo de fortalecer a coesão social e a competitividade do país. A manobra orçamentária, critica, “não impulsiona o crescimento e aumenta a desigualdade”.
O Movimento 5 Estrelas, relançado por Giuseppe Conte, apresentou emenda para ampliar a faixa de isenção fiscal para 20 mil euros e reforçar o auxílio-filho único. Mas o ponto mais sensível para Conte e Schlein continua sendo o corte de verbas para a saúde somado ao aumento de gastos militares tema que incendiou um comício recente na Puglia: “Digam-me se, com o sistema de saúde à beira do colapso, é possível cortar verbas da saúde e investir em armas”, discursou Schlein.
Renzi mira Albânia e segurança
Do centro político, o Italia Viva de Matteo Renzi quer redirecionar os recursos destinados aos centros de acolhimento de migrantes na Albânia, usando o valor para financiar um pacote de segurança dentro da própria Itália. A emenda recebeu apoio do restante do bloco centrista.
Paralelamente, Renzi assina outra proposta para criar um fundo anual de 300 milhões de euros voltado a combater a falta de vagas nas escolas.
Próximos passos
Uma nova reunião da maioria deve ocorrer nos próximos dias para selecionar as emendas que seguirão adiante até o prazo de terça-feira. Entre disputas internas, tensões pré-eleitorais e prioridades conflitantes, o que está em jogo é uma disputa narrativa dentro do próprio governo: como manter o discurso de austeridade e responsabilidade fiscal enquanto se multiplicam pedidos de exceções, incentivos e anistias?
As próximas horas serão decisivas para definir quais dessas propostas sobreviverão à peneira política e quais servirão apenas como munição eleitoral na arena pública italiana.






























