Trabalhar quase metade do ano apenas para o Estado. É essa a realidade de milhões de italianos, segundo o relatório da CGIA de Mestre (Confederação Geral Italiana dos Contribuintes). O estudo calculou que, em 2024, foram necessários 156 dias de trabalho para cumprir todas as obrigações fiscais. Isso significa que, até o dia 6 de junho, toda a renda obtida por trabalhadores e empresas foi destinada ao pagamento de impostos, taxas e contribuições. Somente a partir de 7 de junho o que se produz passa a ser, em teoria, para uso próprio e familiar.
A conta que sobra para quem paga
O relatório chama a atenção para um problema que afeta diretamente o bolso de quem é honesto: a sonegação fiscal. Segundo estimativas do ISTAT, em 2022 havia aproximadamente 2,5 milhões de pessoas trabalhando na ilegalidade no país. São homens e mulheres que atuam sem contratos formais ou, no caso dos autônomos, sem sequer possuir número de IVA, o equivalente ao CNPJ no Brasil.
Esse cenário gera um efeito perverso. Quando uma parte da população não paga, quem cumpre suas obrigações acaba compensando esse déficit. É a velha lógica popular expressa em muitas placas de bares italianos: “Por culpa de alguém, ninguém se beneficia”. A cada euro sonegado, o Estado precisa recorrer a quem está na formalidade, criando uma percepção de injustiça, alimentando desconfiança e reforçando a sensação de que os impostos são excessivos.
Onde a informalidade mais pesa
Os números mostram que a presença de trabalhadores irregulares é expressiva em várias regiões italianas. Em valores absolutos, a Lombardia concentra o maior contingente, com 379,8 mil pessoas. Logo em seguida aparece o Lácio, com 319,4 mil, e a Campânia, com 270,2 mil.
No entanto, quando se considera a proporção de trabalhadores informais em relação ao total de ocupados em cada região, o quadro muda. A Calábria lidera, com uma taxa de 17,1% de irregularidade. Em seguida aparece a Campânia, com 14,2%, a Sicília, com 13,6%, e a Puglia, com 12,6%. A média italiana é de 9,7%, o que indica que quase uma em cada dez pessoas trabalha fora do sistema legal.
Trinta anos de altos e baixos
A análise histórica feita pela CGIA mostra como a carga tributária italiana oscilou nas últimas três décadas. O ponto mais baixo ocorreu em 2005, durante o governo de Silvio Berlusconi. Naquele ano, os impostos representaram 38,9% do PIB, e foram necessários 142 dias de trabalho para atingir o chamado “dia da libertação fiscal”. Isso aconteceu 14 dias antes da data prevista para 2025, mostrando que, naquela época, o peso era bem menor do que o atual.
Já o recorde de pressão fiscal foi registrado em 2013, durante o governo de Mario Monti, quando a carga tributária chegou a 43,4% do PIB. Esse nível nunca havia sido alcançado anteriormente e marcou o ápice da tributação no país.
A situação no restante da Europa
Ao comparar os principais países da União Europeia, a Itália ocupa uma posição pouco confortável. Apenas a França apresenta uma carga tributária maior.
De acordo com os dados mais recentes, a Dinamarca registrou em 2024 a maior carga tributária da União, com 45,4% do PIB. A França aparece logo atrás, com 45,2%, seguida pela Bélgica, com 45,1%, e pela Áustria, com 44,8%. O Luxemburgo ocupa a quinta posição, com 43%, e a Itália vem em sexto lugar, com 42,6%.
A comparação com outros parceiros econômicos reforça o peso que recai sobre os italianos. O país paga em média 1,8 ponto percentual a mais que a Alemanha, 5,4 pontos a mais que a Espanha e 2,2 pontos acima da média da União Europeia.
A conta que não fecha
O estudo da CGIA deixa claro que a elevada carga tributária na Itália não se explica apenas pelas necessidades do Estado, mas também pela dificuldade em combater a sonegação e a informalidade. Enquanto milhões trabalham sem contribuir, os cidadãos e empresas que cumprem suas obrigações acabam sustentando sozinhos serviços públicos que, muitas vezes, não correspondem às necessidades crescentes do país.
O resultado é um ciclo vicioso: impostos vistos como imposições injustas, sonegadores frequentemente retratados como “astutos” e um sistema de bem-estar social fragilizado. Nesse cenário, a confiança no fisco e no próprio Estado se desgasta, e a sensação de que os italianos trabalham meio ano para o Estado torna-se cada vez mais presente.