Na Itália, a prostituição não é crime — desde que seja exercida de forma autônoma, voluntária e sem intermediários. Recentemente, a inclusão de um novo código Ateco pela Receita Federal permitiu que acompanhantes se registrassem como trabalhadoras autônomas com número de IVA, o que significa, na prática, acesso a direitos como aposentadoria, crédito bancário e emissão de notas fiscais.
Para muitas, é um avanço. Mas, ao mesmo tempo, o novo enquadramento esbarra em contradições legais: a mesma legislação que permite o exercício da atividade penaliza qualquer forma de organização, indução ou facilitação da prostituição.
O resultado é um sistema paradoxal e confuso, que reconhece parcialmente uma profissão ainda cercada por estigma social e insegurança jurídica.
A prostituição é crime?
Não. Na Itália, a prostituição exercida por adultos, de forma livre e voluntária, não é considerada crime. Isso significa que uma pessoa pode, legalmente, oferecer serviços sexuais em troca de dinheiro, desde que não haja qualquer forma de coerção, exploração ou intermediação abusiva. Essa é a leitura defendida pelo advogado criminalista Daniele Bocciolini:
“Cada um pode escolher o que fazer com o próprio corpo. Isso se enquadra na liberdade individual.”
A base legal atual é a Lei Merlin, de 1958, que extinguiu os bordéis e proíbe a exploração, indução e favorecimento da prostituição, mas não pune a atividade individual da prostituta ou acompanhante autônoma. Essa dualidade deixa a profissão em uma área cinzenta, onde o trabalho é, ao mesmo tempo, reconhecido para fins fiscais, mas carece de regulamentação e proteção trabalhista claras, perpetuando desafios para quem atua nessa atividade.
O que muda com o novo código Ateco?
Desde abril de 2025, a introdução do Codice Ateco 96.99.92 marcou uma mudança significativa no modo como a profissão de acompanhante pode ser registrada na Itália. Agora, é possível abrir uma Partita IVA, declarar os ganhos e até contribuir para benefícios previdenciários. Na prática, muitas profissionais passaram a ter acesso a direitos antes inalcançáveis — como solicitar uma hipoteca, declarar renda oficialmente ou até pensar em uma aposentadoria.
O que realmente chamou atenção nos últimos meses foi a introdução de um novo código de atividade econômica (Ateco) pela Receita Federal italiana, que permite o enquadramento fiscal de acompanhantes sob a categoria de “prestação de serviços sexuais”.
No entanto, o reconhecimento fiscal não veio acompanhado de uma atualização na legislação penal. O código menciona atividades como “prestação ou organização de serviços sexuais” e “gestão de locais relacionados à prostituição” — termos que colidem com a Lei Merlin de 1958, que proíbe a exploração, indução e facilitação da prostituição. Isso cria um ambiente ambíguo, em que a atividade é permitida apenas se exercida de forma individual, autônoma e sem intermediários.
Na prática, isso permite que profissionais do sexo emitam faturas, contribuam com impostos, solicitem empréstimos ou hipotecas e até mesmo contribuam para a aposentadoria — direitos antes negados por não haver reconhecimento oficial da atividade.
Contudo, o uso do novo código ainda está cercado de incertezas. O Dr. Beolchi, especialista em direito tributário, alerta:
“No momento, é algo inutilizável. A legislação continua vendo como crime a organização e favorecimento da prostituição.”
Um paradoxo jurídico?
O advogado Bocciolini levanta uma preocupação importante:
“O novo código fala em ‘organização de serviços sexuais’ e ‘gestão de locais de encontros’, o que pode entrar em conflito com as proibições atuais de indução e exploração.”
Ou seja, enquanto o Estado permite o registro fiscal da atividade como autônoma, ele ainda penaliza qualquer forma de organização ou intermediação, criando um paradoxo legal que pode expor profissionais do sexo a riscos jurídicos.
Liberdade ou contradição?
O reconhecimento fiscal pode ser visto como um passo importante em direção à dignidade e segurança dos profissionais do sexo, ao permitir inclusão previdenciária e financeira. Mas, como destaca Bocciolini, há um impasse ético e político:
“É paradoxal que um sistema que se diz protetor das mulheres fale em ‘liberdade’ ao se referir à prostituição.”
A classificação fiscal, portanto, não muda a legislação penal. O cliente continua fora do radar, o que também levanta questões sobre privacidade, legalidade e políticas públicas de saúde e segurança.