A cidadania italiana por direito de sangue (em latim, iure sanguinis) sempre foi um dos principais caminhos usados por descendentes de italianos ao redor do mundo especialmente na América Latina para reconectar-se legalmente com suas raízes. Até recentemente, o critério principal para o reconhecimento era a descendência direta de um cidadão italiano, independentemente de onde a pessoa tivesse nascido ou vivido.
No entanto, com a entrada em vigor da Lei n.º 74 de 2025, resultado do Decreto Legislativo n.º 36, o cenário mudou drasticamente. A nova legislação impõe critérios mais restritivos, e agora está sendo questionada em tribunais, inclusive no Tribunal Constitucional, o mais alto órgão jurídico da Itália no que diz respeito à compatibilidade das leis com a Constituição. Se você está acompanhando as mudanças na cidadania italiana, é importante saber que o Tribunal Constitucional da Itália levantou sérias dúvidas sobre a nova reforma da cidadania de 2025. Embora a lei esteja em vigor, o Tribunal identificou pontos que podem não estar alinhados com a Constituição italiana, especialmente no que diz respeito aos critérios mais rígidos para obtenção da cidadania por descendência. Isso não significa que a reforma será derrubada automaticamente, mas que uma decisão oficial será tomada em uma audiência marcada para fevereiro de 2026, em Turim. Até lá, a situação permanece em aberto, e todos os interessados devem ficar atentos aos desdobramentos desse importante julgamento.
O que mudou com a reforma de 2025?
A Lei 91 de 1992, que regia a cidadania italiana até a reforma, era bastante direta: bastava comprovar que se era descendente de um cidadão italiano (sem interrupções na linha de transmissão, como renúncias ou naturalizações antes do nascimento do descendente).
A nova Lei 74/2025 introduziu critérios adicionais que complicam (e em muitos casos inviabilizam) o reconhecimento da cidadania. Os principais pontos da nova lei são:
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O ascendente italiano (trisavô, bisavô, avô etc.) deveria ter possuído exclusivamente a cidadania italiana, sem nenhuma outra, no momento do nascimento do filho (ou seja, nada de dupla cidadania no passado);
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O pai ou a mãe que transmite a cidadania deve ter residido por pelo menos dois anos na Itália, após a aquisição da própria cidadania, e antes do nascimento do filho;
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A perda da cidadania pode ocorrer retroativamente, atingindo inclusive menores de idade cujos pais não atendem aos novos critérios.
O que diz o Tribunal Constitucional?
Em sua decisão n.º 142, de julho de 2025, o Tribunal Constitucional avaliou pedidos de alguns juízes que buscavam tornar mais rígida a aplicação da antiga Lei de 1992. Embora o Tribunal tenha rejeitado esses pedidos, ele se posicionou de maneira cuidadosa em relação à nova reforma de 2025.
Acesse o comunicado oficial: Corte Costituzionale
O Tribunal Constitucional, ao analisar o caso, não fez um julgamento direto e definitivo sobre a nova lei de 2025. Ou seja, ele não declarou oficialmente se a nova lei é constitucional ou inconstitucional naquele momento.
Porém, durante essa análise, o Tribunal sinalizou, de forma indireta, algumas preocupações sobre se a nova lei pode violar a Constituição. Essas preocupações são indicativos ou pistas que mostram que o Tribunal está atento a possíveis problemas legais na nova legislação.
Essas questões levantadas podem ser importantes para decisões futuras especialmente para a audiência já marcada no Tribunal de Turim, em fevereiro de 2026, onde será discutida diretamente a constitucionalidade (compatibilidade com a Constituição) da nova lei.
Resumindo: o Tribunal ainda não decidiu oficialmente sobre a nova lei, mas já indicou que há pontos problemáticos que podem levar a um julgamento contra essa lei na próxima audiência.
Segundo o professor Nicola Brutti, da Universidade de Pádua um dos juristas envolvidos na defesa da cidadania iure sanguinis, há pelo menos dois sinais importantes de que o Tribunal estaria inclinando-se a considerar a nova reforma inconstitucional.
Os dois pontos de atenção apontados por Brutti
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Desrespeito à visão pluralista da cidadania
A Constituição italiana reconhece a cidadania como pertencente a uma comunidade aberta, baseada na diversidade cultural, linguística e territorial. No entanto, a nova lei exclui quem tem ancestrais com dupla cidadania, o que, na visão de Brutti, discrimina minorias e contraria os valores constitucionais. -
Violação do direito europeu
O Tribunal também mencionou o direito da União Europeia (UE), que proíbe a perda automática e indiscriminada da cidadania. Leis que não permitem avaliar caso a caso os impactos sobre os cidadãos inclusive no que diz respeito à cidadania europeia são incompatíveis com os tratados da UE. Como a nova lei italiana prevê justamente esse tipo de perda automática, isso pode ser considerado um grave problema legal.
Além disso, Brutti afirma que a reforma cria mecanismos coletivos de perda de cidadania, sem considerar a situação específica de cada indivíduo, algo que a legislação europeia não aceita. Isso pode colocar a Itália em confronto com as regras da própria UE, da qual faz parte.
O que pode acontecer agora?
A audiência marcada para fevereiro de 2026 no Tribunal de Turim será decisiva. Se o tribunal considerar que há de fato violação dos princípios constitucionais ou europeus, a Lei 74/2025 pode ser parcialmente ou totalmente anulada.
Enquanto isso, os processos de cidadania que já estavam em andamento continuam sob as regras antigas, mas novos pedidos deverão obedecer às exigências da nova lei a não ser que ela venha a ser suspensa ou declarada inconstitucional.
Por que isso importa para descendentes de italianos no Brasil?
O Brasil abriga uma das maiores comunidades de descendentes de italianos no mundo. Milhares de brasileiros já obtiveram a cidadania italiana por meio do iure sanguinis, e muitos outros estão no meio do processo.
A reforma de 2025 sobre a cidadania italiana pode estar vivendo seus dias contados, ao menos em sua forma atual. Os sinais dados pelo Tribunal Constitucional, somados à crítica de especialistas como Nicola Brutti, mostram que há fundamentos para uma reavaliação judicial profunda. Até fevereiro, o debate seguirá intenso.
Para os descendentes de italianos espalhados pelo mundo, trata-se de muito mais do que uma formalidade jurídica: é o direito à memória, à identidade e à conexão com suas origens.
Como descendente de italianos, acompanho essa reforma com grande preocupação. A perda automática da cidadania, sem considerar cada caso, me parece injusta e desrespeita a diversidade das famílias brasileiras descendentes. Espero que o Tribunal Constitucional reconheça a importância de manter o direito ao reconhecimento da cidadania por sangue, preservando nossa história e identidade.
A luta pelo reconhecimento vai além de burocracia, é sobre pertencimento, identidade e memória familiar. Que o Tribunal leve tudo isso em conta na audiência de fevereiro. Seguimos atentos e juntos nessa causa!
É interessante ver o Tribunal Constitucional levantar essas questões. A cidadania não pode ser tratada como algo que se dá e tira com base em critérios arbitrários. Eu vou iniciar o processo via Judicial!
Excelente decisão, Angelo! A cidadania italiana por descendência é um reconhecimento de origem, não um favor do Estado e ainda há base legal sólida para os pedidos, especialmente nos casos iniciados antes da consolidação total da reforma. Força no processo e conte com bons profissionais para te orientar!
Equipe La via Italia