A cidadania italiana, historicamente fundamentada no princípio do ius sanguinis (direito de sangue), sofreu uma reviravolta com a aprovação da Lei nº 74/2025, convertida a partir do Decreto Legislativo nº 36 de 28 de março de 2025. A reforma estabelece novas limitações ao reconhecimento da cidadania por descendência, afetando sobretudo quem pretende iniciar o processo diretamente em território italiano.
Reconhecimento automático limitado a duas gerações
A principal mudança introduzida é que a cidadania italiana será automaticamente reconhecida apenas a filhos e netos de italianos nascidos no exterior, desde que um dos pais ou avós tenha nascido na Itália. Com isso, bisnetos ou trinetos não poderão mais requerer a cidadania, a menos que cumpram condições específicas, mesmo que sua linha de descendência esteja documentada.
O objetivo do governo é, segundo a justificativa oficial, valorizar o vínculo cultural e cívico com a Itália, desestimulando o uso “meramente instrumental” da cidadania, como em casos de residência temporária apenas para fins documentais.
Como será o processo por via administrativa na Itália após a reforma?
Após a entrada em vigor do Decreto Legislativo nº 39 de 28 de março de 2025, o processo de reconhecimento da cidadania italiana por via administrativa na Itália passará a exigir mais comprovações e terá critérios mais rigorosos. A principal mudança é a obrigação de apresentar um certificado consular comprovando que nem o requerente nem seus ascendentes renunciaram à cidadania italiana.
Quem ainda pode iniciar o processo?
Após 28 de março de 2025, apenas pessoas que atendam a pelo menos um destes critérios poderão solicitar a cidadania por via administrativa:
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Ter pai ou mãe italiano/a nascido(a) na Itália;
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Ter pai ou mãe italiano/a que tenha residido na Itália por pelo menos dois anos consecutivos antes do nascimento;
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Ter avô ou avó italiano/a nascido(a) na Itália, mesmo que o pai ou mãe tenham nascido fora do país.
Se o requerente não se enquadrar em nenhum desses critérios e possuir outra cidadania, o pedido não será aceito, independentemente de sua data de nascimento.
Documentação exigida
Para apresentar o pedido de cidadania italiana por via administrativa, o interessado deve:
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Fixar residência legal e habitual em um município italiano;
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Apresentar documentação completa e legalizada, incluindo:
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Pedido formal de inscrição no registro civil;
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Passaporte e autorização de residência válidos;
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Certidões de nascimento, casamento e óbito da linha de ascendência italiana, devidamente traduzidas e legalizadas;
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Código fiscal italiano (codice fiscale);
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Comprovantes de estado civil e composição familiar;
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Declarações sobre veículos ou imóveis registrados em seu nome, se houver.
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A inscrição deve ser pessoal não é aceita procuração e o requerente não pode estar inscrito como “sem residência fixa” nem no registro de população temporária.
Fases do Procedimento Administrativo
A seguir, explicamos as fases do processo administrativo e os documentos exigidos, com base nas orientações mais recentes para os Uffici Demografici. (Você pode ler a material original em italiano – clique aqui)
- Fase 1 – Pré-instrução (Verificação Documental): A prefeitura analisa os documentos apresentados para verificar se o requerente pode solicitar a inscrição anagráfica (registro de residência), condição indispensável ao início do processo. Prazo: até 10 dias úteis.
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Fase 2 – Inscrição Anagráfica (Registro de Residência): Caso os documentos sejam aceitos, o interessado solicita a residência no Comune.
O oficial de residência verifica a regularidade da entrada do requerente na Itália:-
Cidadãos de fora do Espaço Schengen: basta o carimbo no passaporte.
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Cidadãos de países do Espaço Schengen: apresentar declaração de presença feita na Questura em até 8 dias da chegada.
Se o prazo de 90 dias de permanência expirar antes da finalização do processo, será necessário solicitar um permesso di soggiorno para fins de reconhecimento da cidadania (Art. 11, c.1, letra c do D.P.R. n.394/1999).
Uma vez aceita a inscrição anagráfica, o Comune comunica o início do procedimento e o requerente poderá protocolar o pedido oficial de cidadania, com marca da bollo de €16,00.
Durante os 45 dias seguintes, a Polizia Locale fará vistorias para comprovar a residência habitual do requerente.
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Fase 3 – Análise do Pedido de Reconhecimento: Com a residência validada, o Comune dá continuidade ao processo de cidadania. Todos os documentos são reanalisados quanto à forma, conteúdo e validade jurídica. A administração entra em contato com os Consulados italianos dos países envolvidos para confirmar que nem o requerente, nem seus ascendentes, renunciaram à cidadania italiana.
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Fase 4 – Reconhecimento da Cidadania: Após o retorno positivo dos consulados e a verificação final dos requisitos, é emitido o ato de reconhecimento da cidadania italiana (também com marca da bollo de €16,00).
Prazo máximo para conclusão do processo: até 180 dias a partir da entrega completa da documentação. O prazo pode ser suspenso se houver necessidade de avaliações técnicas ou informações de outros órgãos.
Por fim, os atos de nascimento, casamento e eventuais filhos menores são transcritos no Comune e o reconhecimento é oficialmente concluído.
Custos e taxas
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Taxa administrativa: € 600,00, paga via PagoPa;
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Imposto de selo: € 16,00 por requerimento.
Prazo de processamento
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Reconhecimento da cidadania: até 180 dias, excluindo prazos de resposta de consulados;
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Emissão de certidões: até 6 meses, conforme o Decreto Legislativo 113/2018.
Atenção à permanência
O interessado deve manter sua residência ativa no comune até a conclusão do processo. O cancelamento da residência interrompe automaticamente o procedimento.
Quais pedidos continuam válidos?
A nova legislação não afeta retroativamente quem já teve a cidadania reconhecida por município, consulado ou tribunal antes da nova lei. Além disso, pedidos protocolados até as 23h59 de 27 de março de 2025 seguem as regras anteriores, mesmo que ainda não tenham sido julgados.
Rigor na análise de documentos
O Ministério do Interior reforçou, por meio das circulares nº 26/2007 e nº 4/2009, que os oficiais de registro devem intensificar a verificação da autenticidade dos documentos, em contato direto com os consulados, sempre que houver dúvidas.
Depoimentos e juramentos não serão aceitos como prova toda a linha de transmissão deve ser demonstrada documentalmente, com base em certidões públicas.
Lista de documentos exigidos
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Extrato da Certidão de Nascimento do Ascendente Italiano
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Emitido pelo Comune italiano de nascimento.
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Deve estar em formato integral (estratto per riassunto dell’atto di nascita).
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Certidões de Nascimento de Todos os Descendentes Diretos
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Inclui todos os descendentes em linha reta (filhos ou netos).
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Acompanhadas de tradução oficial juramentada para o italiano.
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Certidões de Casamento
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Do ascendente italiano emigrado (com tradução oficial, se emitida no exterior).
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De todos os demais descendentes na linha direta, incluindo os pais do requerente.
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Certidão de Não Naturalização
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Emitida pela autoridade do país estrangeiro de emigração.
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Deve provar que o ascendente não adquiriu cidadania estrangeira antes do nascimento do filho que dá continuidade à linhagem.
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Certidão do Consulado Italiano
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Emitida pela autoridade consular competente.
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Declara que nenhum dos ascendentes nem o requerente renunciaram à cidadania italiana, conforme a Lei nº 555/1912 e a Lei nº 91/1992.
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Certificado de Residência na Itália
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Comprova residência habitual no Comune onde o pedido será analisado.
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Passaporte com Visto de Entrada e Carimbo da Fronteira
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Se chegou direto do Brasil ou outro país extra-Schengen: carimbo no aeroporto italiano.
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Se chegou via outro país Schengen: apresentar declaração de presença à Questura em até 8 dias após a entrada.
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Pedido Formal de Reconhecimento da Cidadania por Jure Sanguinis
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Formulário preenchido e assinado. (Veja o modelo)
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Sobre a Cadeia Documental
Os documentos devem cobrir toda a linha de descendência, partindo do ascendente italiano emigrado até o requerente atual. A certidão de não naturalização deve conter todos os nomes, sobrenomes e pseudônimos usados pelo ascendente nos documentos civis. Se for impossível apresentar data clara de naturalização, será exigida cópia do decreto de naturalização com data de juramento.
Caso outro membro da linha tenha sido naturalizado ou vivido em outro país, será necessário apresentar certificado de não naturalização adicional ou documento correspondente, com todas as variações nominais.
Sentenças e Discrepâncias
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Sentenças judiciais (como reconhecimento de paternidade, adoção ou retificações) devem ser apresentadas com tradução e legalização consular.
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Em caso de erros em nomes, datas ou locais nas certidões, será necessário retificá-las junto às autoridades estrangeiras competentes.
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O Oficial de Estado Civil não pode “interpretar” informações: só atua com base em documentos válidos e claros.
Se houver inconsistência grave ou ausência de correção no prazo de 10 dias após notificação, o pedido será indeferido com base no art. 7 do Decreto Presidencial 396/2000.
Validade dos Documentos
Segundo parecer oficial do MAECI:
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Certidões de óbito e documentos de pessoas falecidas têm validade ilimitada.
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Demais documentos (ex: certidões de nascimento, casamento, naturalização) têm validade de 6 meses a partir da data de emissão.
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O funcionário público pode solicitar nova emissão se houver dúvidas sobre a autenticidade, especialmente para pessoas vivas.
Importante Saber
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Os documentos não serão devolvidos ao final do processo, mesmo que o pedido seja indeferido.
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O requerente pode optar por apresentar cópias autenticadas com selo fiscal, conforme permitido.
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Os documentos devem seguir as normas de tradução, legalização e apostilamento (Convenção de Haia).
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O pedido será processado conforme as normas antigas para quem protocolar até 27 de março de 2025.
Após essa data, valem as regras mais restritivas da Lei 74/25.
Considerações finais
Para os que ainda se encaixam nos novos critérios, o processo por via administrativa continua possível, mas com mais etapas, custos e rigor na documentação. Mesmo com os novos critérios mais rigorosos, o reconhecimento da cidadania italiana por via administrativa continua acessível para quem cumpre as exigências. É fundamental entender que o processo agora demanda maior atenção aos detalhes, documentação completa e atualizada, além de possíveis custos extras. Esse cenário reforça a importância de um planejamento cuidadoso e da busca por suporte qualificado para evitar contratempos.