O editorial do diretor Cerno, com dez perguntas incisivas sobre os casos Hannoun e Albanese, deixou no ar um convite ao debate — e também uma série de ausências de resposta entre setores da esquerda. Não é difícil entender por quê: a exposição pública de lideranças e símbolos tem gerado questionamentos que muitos preferem evitar.
Antes de tudo, cabe um parêntese sobre o tom inicial do texto original: um alerta técnico ao uso do Internet Explorer, que simbolicamente remete a algo ultrapassado e potencialmente perigoso. Essa imagem pode ser lida como metáfora para um problema mais amplo: a permanência de práticas políticas antiquadas e pouco seguras dentro de parte da cena progressista.
A análise crítica proposta parte de duas observações centrais. A primeira é a inclinação de parte da esquerda para a busca de figuras extremas. A segunda é um notável traço de provincialismo, uma tendência à adoção de modismos e ícones sem a devida verificação de contexto e veracidade. Quando essas duas dinâmicas se combinam, nascem cultos a personagens que assumem o posto de verdadeiras ícones.
É nesse cenário que se insere o fenômeno batizado pelo jornal como “albanesismo“: a transformação da figura de Albanese em ícone incontestável para amplos setores da esquerda, inclusive para alguns prefeitos. A elevação de uma relatora especial da ONU ao status de símbolo absoluto revela tanto uma necessidade de referência quanto uma fragilidade crítica em relacionar imagem e realidade.
No mesmo firmamento, outra constelação problemática ganhou visibilidade: a de Hannoun. Convidado e celebrado em manifestações — por vezes apoiado por partidos como os 5 Stelle e por movimentos associáveis à Avs — Hannoun foi elevado à categoria de porta-voz da liberdade e da autonomia do povo palestino. Contudo, a imprensa e o debate público lembram que por trás de um ícone pode haver também um indivíduo cuja conduta precisa ser julgada à luz de processos e provas. Em outras palavras, a linha entre representação política legítima e suspeita de envolvimento em ações violentas ainda será traçada no tribunal.
Outro elemento que contribui para o fenômeno do iconismo é a busca por figuras internacionais de impacto. No momento em que os 5 Stelle emergiram como força política relevante, o culto a personalidades externas cresceu: Alves e até ex-parlamentares como Di Battista chegaram a buscar referências extremas mundo afora — inclusive na América do Sul — e a transformá-las em ícones temporários.
Para além das preferências partidárias, há uma dinâmica social: praças cheias de apoiadores pró-Gaza, manifestações de centros sociais e movimentos estudantis frequentemente demandam rostos que sintetizem suas pautas. Hannoun acabou por vestir, por conveniência simbólica, o papel de presidente informal dos palestinos na Itália, segundo a narrativa política que alguns agentes ajudaram a construir.
O resultado dessa mistura — iconismo, provincialismo e perseguição ao extremismo —, alerta o editorial, é a perda de rumo de parte da esquerda, incluindo quadros que pareciam mais moderados. Agora, com investigações e processos em curso, essas figuras públicas podem ver suas imagens ruírem: ícones que se transformam em ‘bruxas’ para o imaginário coletivo.
O convite de Cerno aos dirigentes e militantes é, portanto, mais do que retórico: é uma chamada à clarificação. A esquerda italiana enfrenta, de novo, o dilema entre construir referências críticas sólidas ou ceder à sedução de símbolos que nem sempre resistem ao escrutínio rigoroso. Resta saber quem terá coragem de responder às perguntas feitas — e de assumir as consequências das escolhas feitas sob o signo do ídolo.























