O tempo já havia começado a vencer em vida. Aos 91 anos, morreu Brigitte Bardot — para muitos, simplesmente BB — deixando para trás não apenas imagens e vestidos, mas um legado que transformou-a em mito. Nascida para provocar paixões e controvérsias, Bardot foi ícone do cinema e símbolo de coragem em escolhas que marcaram uma época.
Brigitte Anne-Marie Bardot completou 91 anos em setembro e, pouco depois, foi internada em um hospital em Toulon. Apesar de um procedimento superado, o destino não poupou a atriz e ativista. A imagem pública que ficou foi a de uma mulher que, além do erotismo celebrado no período do boom econômico, soube dizer basta a um mundo que a consumia.
Saint-Tropez e toda a Costa Azul lhe reconhecem o papel de personagem-propaganda — quando essa palavra ainda não fazia parte do vocabulário corrente — de um estilo e de uma atitude. O público masculino a sonhava; muitas mulheres queriam ser ela. Mas os holofotes nem sempre trouxeram felicidade: a fama vinha acompanhada de desejos e pressões incessantes.
Foi aos 16 anos que Bardot se casou com o diretor Roger Vadim, que a lançou no filme Et Dieu créa… la femme (E Deus criou a mulher), obra que a projetou internacionalmente e a vinculou para sempre à nascente Nouvelle Vague, ainda que a própria trajetória de BB não possa ser reduzida a um só movimento. A notoriedade do filme também trouxe para ela um papel social e cultural complexo: passou a ser objeto de um desejo público praticamente incontrolável, situação que a própria atriz relembrou em entrevistas e no documentário-entrevista Bardot, exibido em Cannes em maio.
O documentário, previsto para estrear no dia do seu aniversário, teve lançamento adiado por causa de sua saúde delicada — um retrato que evidencia a tensão entre a vida pública e a privacidade da estrela.
Entre amores e rupturas, Bardot viveu relações intensas: casamentos e ligações com nomes como Gilbert Bécaud, Sacha Distel e Serge Gainsbourg, autor da canção Je t’aime… moi non plus, originalmente escrita para ela. Quando a gravação provocou escândalo, Gainsbourg a retirou e, um ano depois, lançou-a com Jane Birkin, enquanto o então marido de Bardot, o playboy Gunther Sachs, reagiu veementemente.
A imagem de heroína de faroeste também integra seu repertório: a atriz protagonizou, ao lado de Claudia Cardinale, uma obra que satirizava o Velho Oeste e seus resquícios patriarcais do final do século XIX — outra face de sua carreira que foge ao estereótipo da loira enfeitiçante.
Não satisfeita apenas com o brilho das telas, Bardot demonstrou ainda coragem ao interromper sua carreira — antes mesmo dos debates e movimentos que depois viriam a nomear publicamente esse tipo de denúncia — e, em 1973, se retirou para a Madrague, seu refúgio em Saint-Tropez, vendendo joias e rompendo com as paixões que marcaram sua juventude.
O ministro da Cultura, Alessandro Giuli, sintetizou a dimensão pública de sua figura: “Seu verdadeiro fascínio foi ter defendido valores importantes”. É essa faceta, além da beleza e do erotismo que a consagraram, que tende a permanecer na memória coletiva.
Brigitte Bardot deixou uma marca indelével: a de uma mulher que soube mudar de rota quando necessário, que recusou a mercantilização total de si mesma e que entrou para a história como um símbolo multifacetado — estrela de cinema, objeto de desejo, ativista em tempos posteriores e, acima de tudo, um mito. Seu nome continuará vivo nas telas, nas canções, nas imagens de Saint-Tropez e na lembrança daqueles que viram em sua vida mais do que um rosto: um exemplo de coragem e reinvenção.


























