No dia 28 de março, o governo italiano publicou o decreto-lei 36/25, promovendo alterações significativas nas regras de reconhecimento da cidadania italiana iure sanguinis (transmitida por descendência). A norma passou a limitar o direito apenas a filhos e netos de italianos nascidos no exterior, gerando imediatamente críticas de especialistas jurídicos e entidades que assessoram processos de cidadania.
Em entrevista à TV Migalhas, o especialista em cidadania italiana David Manzini avaliou o teor do decreto e apontou potenciais violações constitucionais do novo dispositivo normativo. Manzini, que coordena a empresa de assessoria Nostrali, classificou a medida como profundamente problemática do ponto de vista jurídico.
O que mudou
Até a edição do decreto-lei 36/25, o ordenamento jurídico italiano reconhecia o direito à cidadania italiana iure sanguinis a todos os descendentes de cidadãos italianos, desde que o antepassado tivesse estado vivo em ou após 17 de março de 1861 (data da Proclamação do Reino da Itália) e não houvesse interrupção na linha de transmissão. A comprovação documental da descendência garantia o reconhecimento, independentemente do número de gerações.
Com o novo decreto, o reconhecimento passou a ser restrito à segunda geração nascida fora da Itália — ou seja, apenas filhos ou netos de italianos nascidos no exterior poderão ser reconhecidos como cidadãos italianos desde o nascimento. Além disso, a norma impõe que filhos de italianos só tenham direito à cidadania italiana se nascerem na Itália ou se um dos pais tiver residido no país por pelo menos dois anos consecutivos antes do nascimento. Trata‑se, portanto, de uma limitação geracional e territorial inédita, que desconsidera o critério da linhagem contínua.
O Parlamento italiano agendou a votação do decreto-lei para os dias 7 e 8 de maio.
Críticas jurídicas e tese de inconstitucionalidade
Segundo David Manzini, o decreto-lei 36/25 apresenta graves vícios formais e materiais. Na visão do jurista, não estariam presentes os pressupostos legais exigidos para a emissão de decretos-leis — em especial a demonstração de urgência e necessidade — fundamentais para a validade desse tipo de ato normativo.
Manzini ressaltou que a cidadania italiana é entendida pela doutrina e pela jurisprudência consolidada da Corte di Cassazione e da Corte Costituzionale como um direito de natureza originária, que nasce com o indivíduo que comprova sua filiação a um cidadão italiano. Esse direito é imprescritível e pode ser reconhecido judicialmente a qualquer tempo, bastando a comprovação do fato gerador.
Para o especialista, o decreto incorre em afronta ao princípio da irretroatividade das normas, na medida em que pretende limitar, com efeitos retroativos (ex tunc), direitos já consolidado desde o nascimento. “Não se pode simplesmente revogar, com efeitos ex tunc, um direito consolidado. Estamos diante de uma grave ruptura com a tradição jurídica e com direitos adquiridos”, afirmou Manzini.
Perspectiva de judicialização
Manzini informou que a Nostrali está preparando medidas judiciais para impugnar o decreto. A estratégia prevista é levar a discussão às Cortes Superiores italianas, suscitando o controle de constitucionalidade e a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo, por violação de direitos fundamentais dos ítalo-descendentes.
A expectativa é de que a publicação do decreto e a consequente reação de especialistas e associações resultem em demandas judiciais e debates políticos nos próximos meses, enquanto o Parlamento analisará definitivamente a medida nas sessões marcadas.
Fonte: Migalhas — https://www.migalhas.com.br/quentes/428081/nova-regra-que-restringe-cidadania-italiana-e-ilegal-diz-especialista































