RESUMO
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Antes mesmo de os parlamentares se sentarem diante das câmeras, a informação já corria pelos corredores do Palazzo Montecitorio: uma nova proposta de reforma da cidadania havia sido protocolada, em sigilo, mas vazada horas antes da coletiva oficial. O episódio expôs disputas internas e abriu mais um capítulo na batalha legislativa que redefinirá quem tem e quem deixará de ter direito à cidadania italiana.
O texto, apresentado pelo deputado Franco Tirelli, eleito pela América do Sul, promete reacender um debate que o Governo acreditava ter encerrado com o Decreto-Lei 36/2025. A proposta será conduzida no Senado pelo senador Mario Borghese, com apoio explícito do presidente do MAIE, Ricardo Merlo, e do coordenador para as Américas, Antonio Iachini.
Apesar da tentativa de controle narrativo, o vazamento colocou o MAIE no centro dos holofotes — e em rota de colisão com a linha dura da atual legislação.
Para recapitular o Episodio:
O Decreto-Lei 36/2025 foi publicado no Diário Oficial (“Gazzetta Ufficiale”) em 28 de março de 2025 e entrou em vigor no dia seguinte. Posteriormente, foi convertido em lei pelo Parlamento em 24 de maio de 2025, tornando-se a Lei 74/2025. A medida marca uma das mais profundas revisões das últimas décadas no sistema de cidadania por descendência da Itália.
A reforma, proposta em caráter de urgência pelo Governo, altera pontos fundamentais do ius sanguinis, introduzindo novos critérios de elegibilidade e redefinindo a forma como a Itália se relaciona com sua diáspora.
Embora mantenha o princípio tradicional segundo o qual a cidadania italiana é transmitida por sangue, o decreto estabelece que descendentes de italianos nascidos no exterior só terão direito ao reconhecimento se comprovarem um “vínculo efetivo e atual” com a Itália.
As regras valem para indivíduos:
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Nascidos fora da Itália;
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Filhos de cidadãos italianos;
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Que nunca tiveram a cidadania italiana reconhecida anteriormente.
O objetivo oficial da mudança é garantir que o reconhecimento da cidadania esteja associado não apenas à genealogia, mas também a uma ligação concreta com o país, seja ela cultural, social ou territorial. Assim, o processo deixa de ser puramente documental e passa a exigir demonstrações de integração real.
O Governo argumenta que a legislação anterior a Lei n.º 91/1992 baseava-se em parâmetros “excessivamente amplos”, permitindo pedidos de cidadania sem qualquer relação contemporânea com a Itália.
A urgência da reforma foi justificada por três motivos principais:
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Atualização histórica: adequar a cidadania a conceitos modernos de pertencimento.
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Redução de pedidos automáticos: aliviar a pressão sobre consulados e tribunais, que acumulam centenas de milhares de solicitações.
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Fortalecimento dos laços nacionais: garantir que a cidadania represente também participação, interesse e conexão com a Itália atual.
Para o Executivo, o país precisava reafirmar o equilíbrio entre herança familiar e integração verdadeira.
O decreto gerou intenso debate público. Apoiado por setores que defendem maior rigor no reconhecimento da cidadania, o texto também enfrentou críticas de entidades e especialistas em migração.
Entre as principais preocupações estão:
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A possibilidade de exclusão de descendentes legítimos que, apesar de terem raízes italianas, não possuem meios práticos de comprovar vínculo recente.
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O risco de que o conceito de “vínculo efetivo” seja interpretado de maneira arbitrária ou restritiva, variando entre consulados e tribunais.
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A dificuldade que imigrantes de segunda e terceira geração, especialmente de contextos vulneráveis, poderão enfrentar para atender às novas exigências.
Grupos de direitos civis afirmam que a reforma pode criar desigualdades, enquanto a oposição argumenta que ela enfraquece a relação histórica entre a Itália e sua vasta diáspora global.
Com sua conversão em lei em maio de 2025, o Decreto-Lei 36/2025 passou a alterar imediatamente a dinâmica de milhares de processos. Pedidos já submetidos podem ser reavaliados, e pedidos ainda não apresentados até 27 de março de 2025 ficam sujeitos a todas as novas disposições.
Os impactos esperados incluem:
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Redefinição dos critérios de elegibilidade para ius sanguinis.
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Possíveis exigências adicionais, como comprovação cultural, residência mínima, frequência a instituições italianas ou participação comunitária.
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Uma mudança estrutural na forma como a Itália define pertencimento nacional.
A médio prazo, a reforma pode transformar o ius sanguinis em um instrumento não apenas de descendência, mas também de identidade ativa.
Um texto que confronta a reforma recente
O documento protocolado por Tirelli não é apenas uma alternativa: é uma afronta direta ao decreto do Governo, convertido na Lei 74/2025, que restringiu substancialmente o ius sanguinis e condicionou o reconhecimento da cidadania por descendência a “vínculos efetivos” com o território italiano.
Ou seja: na prática, milhares de descendentes principalmente na América Latina passaram a enfrentar barreiras inéditas para acessar a cidadania.
A nova proposta tenta rebater esse movimento. Tirelli defende uma solução mais abrangente:
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Cidadania automática para filhos e netos de italianos, independentemente do país de nascimento;
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Manutenção da linha de sangue até as gerações subsequentes, desde que comprovem conhecimento de língua e cultura italiana em nível B1.
É uma guinada significativa: pela primeira vez, o Parlamento discute formalmente um modelo híbrido, que combina ius sanguinis com ius culturae.
Merlo acena a Roma com o peso da diáspora
Durante a coletiva marcada por tom firme e calculado Ricardo Merlo enviou um recado direto ao Governo. Ele chamou o texto de “proposta equilibrada”, mas o subtexto foi claro: a crise demográfica italiana exige reforço de vínculos, não cortes.
“Se a demografia continuar assim e, no exterior, já não tivermos mais italianos, o que será da Itália?”, disse Merlo.
A fala não foi mera retórica. O país enfrenta hoje uma das piores quedas de natalidade da Europa, e a comunidade italiana no exterior cerca de 80 milhões de descendentes sempre foi considerada uma reserva cultural estratégica.
Tirelli prega reversão da reforma e espera decisão da Corte Constitucional
Tirelli, por sua vez, foi mais incisivo do que Merlo. Ele afirmou que a reforma aprovada em 2025 foi uma “lei vergonhosa” e sinalizou que espera uma intervenção da Corte Constitucional, que estaria analisando a compatibilidade da reforma com princípios fundamentais da cidadania italiana.
“Acreditamos que a Corte declarará inconstitucional. Este projeto é a resposta que o governo deve aos italianos no exterior.”
Segundo ele, a nova lei está prejudicando famílias especialmente na América do Sul e gerando insegurança jurídica em processos envolvendo menores de idade.
Borghese e a aposta no certificado B1
O senador Mario Borghese assumiu o papel de articulador no Senado e defendeu a exigência do certificado B1 como um ponto de equilíbrio político:
“É razoável exigir o B1. Temos uma rede enorme de escolas e institutos de cultura no exterior. Não podemos ignorar isso.”
Nos bastidores, parlamentares afirmam que o B1 pode ser a moeda de troca necessária para que partidos moderados aceitem flexibilizar a transmissão da cidadania uma forma de evitar acusações de “porteira aberta”, mas ainda assim manter laços com a diáspora.
Minoria parlamentar, estratégia majoritária
O MAIE conta com apenas um senador e um deputado. É pouco mas, historicamente, o partido compensa a baixa representação com articulação internacional e forte conexão com comunidades no exterior, em especial na América Latina.
A estratégia agora é pressionar:
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Por meio da mobilização da diáspora,
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Com apoio de associações italianas no exterior,
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E com o peso simbólico da crise populacional italiana.
Se conseguirem transformar o debate em uma pauta nacional, a proposta pode ganhar força na tramitação.
O pano de fundo: Um país dividido sobre quem é italiano
A disputa sobre o ius sanguinis voltou ao centro da política italiana. De um lado, o Governo defende restrições para evitar o que chama de “cidadania de papel”. Do outro, a oposição e o MAIE argumentam que cortar vínculos com milhões de descendentes no exterior é um erro estratégico cultural, econômico e demográfico.
A proposta apresentada por Tirelli e Borghese recoloca a diáspora na mesa de negociações. E expõe uma questão que a Itália, mais cedo ou mais tarde, terá de enfrentar:
Quem deve ser considerado italiano no século XXI?
A resposta pode redirecionar o futuro demográfico e cultural de um país que convive com baixíssimas taxas de natalidade, emigração crescente e pressões políticas divergentes sobre o significado de pertencimento nacional.






























