A morte brutal da modelo e empresária Pamela Genini, de 29 anos, reacendeu um debate que há décadas assombra a Itália: a incapacidade do país de proteger mulheres da violência de gênero. Genini, influenciadora digital e corretora de imóveis de alto padrão, foi encontrada morta na varanda de seu apartamento em Milão. O ex-namorado, Gianluca Soncin, 52, estava ao lado do corpo quando a polícia chegou e agora responde por homicídio doloso, perseguição, crueldade e premeditação.
A jovem empreendedora tornou-se a 72ª vítima de feminicídio registrada em 2025, segundo a ONG Non Una Di Meno. Desde então, pelo menos quatro outras mulheres foram assassinadas em circunstâncias semelhantes, e outros seis casos estão sob investigação. O número choca, mas não surpreende: em 2024, foram 116 feminicídios um dado que, apesar de levemente menor que nos anos anteriores, mantém o país em estado de alerta permanente.
A ascensão de Meloni e a frustração de quem esperava mudanças
Há três anos no poder, a primeira-ministra Giorgia Meloni, a primeira mulher a governar a Itália, enfrenta acusações cada vez mais frequentes de que não fez o suficiente para enfrentar a violência de gênero nem para reduzir as desigualdades que impactam diretamente as mulheres.
Seu governo aprovou medidas endurecendo penas para crimes de perseguição e violência doméstica, mas críticos afirmam que a prevenção a parte mais essencial ficou à margem. A recente decisão do Ministério da Educação de manter proibido o ensino de educação sexual em escolas públicas foi vista como um retrocesso por especialistas e opositores.
“Enquanto a Europa avança, a Itália retorna à Idade Média”, criticou o deputado Alessandro Zan, lembrando que a educação sexual é apontada pela ONU como ferramenta-chave na prevenção de abuso, violência e feminicídio.
Meloni, por sua vez, nega veementemente que esteja falhando. Em vídeos nas redes sociais, ela denuncia “fake news” e reafirma seu compromisso com a proteção das mulheres, citando medidas pró-família e políticas fiscais voltadas a casais com filhos.
Ainda assim, para grupos de defesa de direitos, a mensagem é clara: não basta punir o agressor é preciso evitar que ele chegue ao ponto do crime.
Entre o patriarcado e a precariedade: por que ser mulher na Itália segue tão difícil
O problema da violência de gênero se entrelaça com outro desafio histórico: a desigualdade no mercado de trabalho. O Relatório Global sobre Desigualdade de Gênero 2025, do Fórum Econômico Mundial, coloca a Itália na 85ª posição entre 148 países uma das piores classificações da Europa.
O quadro é ainda mais grave na participação econômica: o país despencou para o 117º lugar, com apenas 41,5% das mulheres ativas no mercado, contra quase 60% dos homens.
E onde há desigualdade econômica, há vulnerabilidade social.
Contratos precários, salários até 40% menores que os dos homens nas mesmas funções e a falta de creches acessíveis compõem um cenário que afasta mulheres de carreiras estáveis e as mantém dependentes emocional e financeiramente em relacionamentos abusivos.
É o caso de Ariana Ricci, 32 anos, gerente de RH formada pela Bocconi e que trabalha com contratos temporários:
“Se eu tivesse um filho, não teria direito à licença remunerada nem garantia de voltar ao meu emprego. Como formar uma família assim?”
Ricci votou em Meloni esperando melhorias. Hoje, diz sentir-se esquecida.
Taxa de natalidade em queda e políticas que reacendem divisões
A taxa de natalidade italiana atingiu mínimos históricos. Em 2024, caiu para 1,18, e dados preliminares indicam que em 2025 chegou a 1,13 16 anos consecutivos de declínio.
Meloni culpa a “pressão para priorizar carreiras” e endureceu a legislação sobre aborto e barriga de aluguel, em defesa da “família tradicional”.
Mas especialistas do ISTAT apontam outras razões: salários baixos, contratos temporários, falta de creches, custo de vida elevado e insegurança econômica generalizada.
Do outro lado do debate, mulheres como Beatrice Costa, mãe de dois filhos, se sentem apoiadas.
“Finalmente posso ser mãe sem culpa. Sinto que continuo uma tradição italiana”, afirma, amparada pelo trabalho estável do marido e por suporte familiar uma realidade distante para boa parte das italianas.
Sociedade dividida, urgência unânime
O feminicídio que tirou a vida de Pamela Genini é tragicamente emblemático: mostra que nem sucesso, visibilidade ou independência financeira protegem mulheres de relações abusivas.
E escancara que, apesar dos discursos fortes, a Itália segue presa a dois mundos: um país que exporta moda, cultura, cinema, inteligência e inovação, mas que ainda reproduz estruturas patriarcais enraizadas.
Para especialistas, não há solução simples. Exige-se:
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políticas consistentes de educação e prevenção;
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creches e suporte real à maternidade e paternidade;
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combate à precariedade laboral;
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proteção eficaz contra violência e perseguição;
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transformação cultural profunda.
A morte de Genini, e das dezenas de mulheres que vieram antes e depois dela, é um lembrete doloroso: enquanto mudanças sistêmicas não forem implementadas, a violência continuará a ocupar manchetes e lares.
E a pergunta que ecoa entre ativistas, parlamentares e mulheres em todo o país permanece sem resposta:
Quanto mais a Itália está disposta a esperar?































