Quando Giorgia Meloni subiu ao poder em 2022, uma de suas bandeiras mais conhecidas era o “bloqueio naval” para conter a imigração irregular. Dois anos depois, porém, a realidade mostra outro quadro: seu governo é o que mais concedeu autorizações de residência a cidadãos de fora da União Europeia nos últimos anos.
Segundo dados oficiais, sob o governo Conte I foram concedidas cerca de 239 mil autorizações por ano; sob o Conte II, 176 mil; sob o governo Draghi, 306 mil; e, com Meloni, o número chegou a 368 mil autorizações anuais.
A mudança chama atenção não apenas por ser um contraste com a retórica de campanha, mas também por refletir segundo especialistas um ajuste às necessidades reais do país.
“Não é contradição, é realismo”
O demógrafo Alfonso Giordano, professor da Universidade Luiss, em Roma, explica que a postura do governo deve ser entendida sob um ponto de vista demográfico, econômico e geopolítico.
“Havia, sim, uma contradição entre o discurso eleitoral e as ações do governo. Mas isso é comum: as campanhas são uma coisa, governar é outra”, afirma Giordano.
O especialista argumenta que a decisão de ampliar as autorizações de residência “é um sinal de realismo”, já que o mercado de trabalho italiano precisa urgentemente de mão de obra estrangeira.
A Itália precisa de trabalhadores
Giordano aponta que o decreto de imigração atual, que prevê cerca de 500 mil chegadas regulares em três anos, já se mostra insuficiente.
“Precisamos desses trabalhadores. Em setores como agricultura, construção civil, logística e assistência pessoal, a escassez é estrutural. O país não pode funcionar sem eles”, destaca.
Essa dependência crescente de trabalhadores estrangeiros reflete o envelhecimento populacional da Itália e a queda nas taxas de natalidade, que vêm reduzindo drasticamente a força de trabalho nacional.
Imigração e salários
Há quem tema que o aumento de imigrantes em empregos de baixa remuneração possa pressionar salários para baixo. Giordano reconhece que a questão é complexa:
“Há empregos que simplesmente nenhum italiano quer mais fazer. A demanda é real e permanece sem resposta. Claro que melhores salários e condições poderiam atrair mais italianos, mas isso depende de produtividade e regulação, não apenas de oferta.”
Chegadas irregulares e o desafio do controle
Quanto às chegadas irregulares, os números seguem oscilando. Foram cerca de 141 mil em 2023, 55 mil em 2024, e 56 mil até o momento em 2025.
“Conter as chegadas é extremamente difícil”, afirma Giordano. “A irregularidade é como a água — se você bloqueia de um lado, ela encontra outro caminho. Sem canais regulares, o problema nunca será resolvido.”
O Plano Mattei: solução ou esperança?
O Plano Mattei, bandeira do governo Meloni, busca criar oportunidades nos países de origem dos migrantes para reduzir as pressões migratórias.
“É um projeto ambicioso e louvável”, comenta Giordano. “Mas sem uma abordagem realmente europeia, a Itália sozinha pode fazer pouco.”
Um governo pragmático
A virada de Giorgia Meloni, de um discurso de “bloqueio naval” a um governo que lidera em concessões de autorizações de residência, ilustra a transição da ideologia à realidade.
O pragmatismo, ainda que possa desagradar parte de sua base mais conservadora, parece estar guiando as decisões do atual governo diante de um país que envelhece rapidamente e precisa cada vez mais dos braços e do trabalho de quem chega de fora.
É difícil conseguir o Permesso di Soggiorno na Itália?
Apesar dos incentivos, a burocracia italiana ainda é um desafio para estrangeiros
Conseguir o Permesso di Soggiorno, o tão esperado título de residência na Itália continua sendo um dos maiores obstáculos enfrentados por estrangeiros, mesmo diante dos recentes incentivos do governo e da necessidade crescente de mão de obra no país. A Itália, embora aberta em discurso, ainda mantém um sistema arcaico, lento e fortemente burocrático, que exige paciência e persistência de quem decide viver legalmente em território italiano.
O processo, na teoria, é simples: o estrangeiro deve solicitar o permesso dentro de oito dias após sua chegada, apresentando o kit postal com a documentação exigida contrato de aluguel, passaporte, seguro de saúde, comprovante de meios de subsistência e o motivo da estadia (trabalho, estudo, família, entre outros). No entanto, na prática, a realidade é bem diferente.
Mesmo com todos os documentos em ordem, a aceitação não é automática. A decisão final cabe à Questura, o órgão policial responsável pela emissão, que avalia caso a caso e pode levar meses para concluir o procedimento. Há ainda variações significativas entre províncias: enquanto algumas Questura são conhecidas pela eficiência, outras acumulam atrasos e filas de espera que podem ultrapassar mais de 1 ano.
Outro fator que dificulta é a falta de padronização nas exigências. Muitos estrangeiros relatam receber informações contraditórias de um escritório para outro o que deveria ser uma norma nacional acaba dependendo da interpretação local da autoridade administrativa. Isso torna o processo imprevisível e, muitas vezes, frustrante.
Além disso, a digitalização dos serviços públicos italianos avança lentamente. Embora existam portais oficiais, como o do Sportello Unico per l’Immigrazione e do Ministero dell’Interno, muitos procedimentos ainda exigem comparecimento físico, agendamento presencial e longos períodos de espera.
A situação é especialmente delicada para quem já está na Itália com familiares ou cônjuges que possuem permesso. Mesmo nesses casos, a reunificação familiar não ocorre de forma automática, exigindo novos trâmites e verificações.
No fim das contas, o Permesso di Soggiorno é mais do que um documento é um teste de resistência. Um processo que revela o contraste entre o discurso político de abertura e a realidade prática de uma administração ainda presa a procedimentos do século passado.
Enquanto a Itália tenta equilibrar o controle migratório com as necessidades do mercado e a pressão demográfica, o estrangeiro continua enfrentando a mesma pergunta de sempre: “quando o meu permesso ficará pronto?”






























