A cidadania italiana, historicamente reconhecida pelo princípio do jus sanguinis, garante a transmissão do vínculo jurídico-político entre a Itália e seus descendentes, independentemente do local de nascimento. No entanto, desde a promulgação do Decreto Tajani, observa-se um tratamento diferenciado que coloca em xeque o princípio da igualdade previsto na Constituição Italiana (art. 3), e levanta questões sobre a efetiva isonomia entre cidadãos nascidos na Itália e cidadãos por descendência.
A cidadania italiana é regida principalmente pela Lei nº 91/1992, baseada no princípio do ius sanguinis. Entretanto, o Decreto-Legge nº 36/2025, conhecido como Decreto Tajani, introduziu alterações significativas, sobretudo para descendentes nascidos no exterior. Essas mudanças foram convertidas em Lei nº 74/2025, permanecendo em vigor, apesar das controvérsias quanto à retroatividade e aos direitos previamente adquiridos.
O artigo 1, §1, do Decreto limita a transmissão automática da cidadania para aqueles que possuem outra nacionalidade, aplicando-se inclusive a indivíduos nascidos antes da sua entrada em vigor. Exceções existem: a cidadania pode ser adquirida automaticamente quando o descendente tem pelo menos um pai ou avô nascido na Itália ou residiu legalmente no país por pelo menos dois anos antes do nascimento.
O Decreto Tajani, longe de ser um instrumento de modernização administrativa, revela-se como uma lei concebida para excluir direitos, e não para garanti-los. Cidadãos com dupla cidadania aqueles que, além da italiana, mantêm outra nacionalidade passam a enfrentar obstáculos que nunca atingem os nascidos na Itália. São exigências documentais arbitrárias, prazos absurdamente estendidos para reconhecer direitos que lhes pertencem por sangue, e decisões administrativas inconsistentes, como se houvesse uma régua própria de “italianidade” para medir quem merece ou não o reconhecimento pleno.
Em nenhum momento, a norma parece ter sido elaborada considerando o princípio da igualdade ou o respeito aos direitos fundamentais. Pelo contrário: cria uma distinção tácita, mas efetiva, que penaliza milhares de descendentes espalhados pelo mundo, transformando um direito adquirido em uma burocracia punitiva, e o cidadão duplo em um indivíduo de segunda categoria perante o Estado italiano.
Esta diferenciação, ainda que implícita, configura uma forma de discriminação administrativa e estrutural, pois o tratamento diferenciado não se baseia em critérios objetivos de competência ou segurança jurídica, mas na condição de portador de dupla cidadania. Sob a perspectiva do Direito Comparado e do princípio da igualdade, não há justificativa legítima para que um cidadão duplo seja tratado como se fosse um “demérito” em sua relação com o Estado italiano.
Adicionalmente, a situação evidencia um paradoxo: a legislação italiana valoriza a diáspora e incentiva o reconhecimento da cidadania para descendentes, mas, na prática, impõe obstáculos que dificultam a plena fruição de direitos, incluindo acesso a serviços públicos, reconhecimento de documentos e facilidades administrativas. Em termos jurídicos, esta realidade aponta para uma lacuna entre direito formal (o reconhecimento do jus sanguinis) e direito material (a efetiva igualdade de tratamento).
O Decreto Tajani, ao criar um tratamento diferenciado para portadores de dupla cidadania, contraria princípios constitucionais básicos e evidencia um complexo institucional que transforma o direito em obstáculo. O cidadão com dupla cidadania, que por direito deveria ser reconhecido e valorizado por preservar a herança italiana, é paradoxalmente tratado como alguém de status inferior. O sistema, que lhe concede formalmente a cidadania, impõe barreiras burocráticas adicionais, prazos dilatados e decisões administrativas inconsistentes, transformando um direito adquirido em verdadeiro demérito jurídico. Em vez de garantir igualdade, o Decreto Tajani cria distinções tácitas que penalizam milhares de descendentes, violando princípios constitucionais fundamentais e relegando cidadãos duplos a uma posição de inferioridade perante o Estado italiano.
Para contornar os efeitos discriminatórios do Decreto Tajani, a solução passa por uma combinação de medidas jurídicas e administrativas. É possível ajuizar ações judiciais questionando a retroatividade do Decreto, com base no princípio da igualdade e na proteção de direitos adquiridos, individualmente ou em ações coletivas.
Paralelamente, podem ser apresentados recursos administrativos às autoridades competentes, solicitando revisão de exigências documentais e prazos, fundamentados na Lei 91/1992 e em princípios constitucionais. É importante também explorar as exceções previstas, como descendentes com pais ou avós nascidos na Itália ou com residência contínua no país.
O uso de precedentes jurisprudenciais favoráveis fortalece tanto ações judiciais quanto recursos administrativos, enquanto a participação em movimentos de descendentes italianos pode gerar pressão política por mudanças legislativas. Dessa forma, mesmo com o Decreto Tajani em vigor, é possível garantir o reconhecimento pleno da cidadania italiana, evitando que cidadãos duplos sejam tratados como de segunda categoria.