Uma espera de uma década, um pedido negligenciado e uma sentença que expõe as falhas da burocracia italiana. Em um acórdão recente, proferido em 20 de maio de 2025 (n.º 9630/2025), o Tribunal Administrativo Regional do Lácio (TAR Lazio) condenou o Ministério do Interior da Itália a arcar com as custas processuais após mais de dez anos de demora na análise de um pedido de cidadania apresentado por uma cidadã albanesa, em 2015.
A decisão escancara não apenas a lentidão crônica da administração pública, mas também as falhas nas apurações e o uso inadequado do poder discricionário estatal. Um processo que deveria seguir critérios objetivos se transformou em uma longa espera, indeferida com justificativas frágeis e que só encontrou reparo nos tribunais, à custa de dinheiro público e desgaste institucional.
O Início: Pedido e Primeiros Sinais de Inércia
Em 21 de maio de 2015, a cidadã albanesa, legalmente residente na Itália há mais de uma década, entrou com pedido de cidadania junto à Prefeitura de Bari, nos termos do artigo 9, letra F) da Lei n.º 91/1992. Seu cônjuge, que ingressou com pedido simultâneo, teve a cidadania concedida em 2017. Ela, no entanto, apenas recebeu resposta em 2020 cinco anos após a solicitação com uma comunicação negativa baseada em dois pontos: a suposta existência de um boletim de ocorrência de 2006 e a insuficiência de renda em 2017.
A candidata, que jamais teve ciência prévia da referida acusação e cuja renda, somada à do cônjuge, era regularmente declarada, buscou esclarecimentos com base no artigo 10-bis da Lei n.º 241/90. A resposta do Ministério: silêncio administrativo.
Do Silêncio ao Indeferimento
Mesmo diante dos esclarecimentos prestados pela requerente e de documentos fiscais que comprovariam a capacidade econômica familiar incluindo a compra de um imóvel e a presença de filhos dependentes legalmente registrados nas declarações do cônjuge, o Ministério não reavaliou a posição. Em 12 de maio de 2021, o pedido foi oficialmente indeferido.
O indeferimento ignorou aspectos fundamentais, como o direito da requerente à cidadania por casamento, caso fosse o caso, e não considerou os documentos entregues, nem conduziu investigações complementares, confiando apenas em dados preliminares supostamente fornecidos pela Guardia di Finanza em 2006, os quais nem sequer constavam de forma verificável no processo.
A Batalha Judicial: Tempo, Princípios e Razão
O recurso ao TAR Lazio destacou uma série de irregularidades:
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Violação do prazo legal para conclusão do procedimento (730 dias, ou, excepcionalmente, 1.460 dias durante a vigência do Decreto Salvini);
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Ausência de investigação aprofundada;
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Violação do princípio da proporcionalidade;
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Inércia diante de petições justificadas;
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Desconsideração de documentos probatórios relevantes.
Em números: o processo se arrastou por 1.716 dias, quatro anos, oito meses e dez dias até a primeira manifestação concreta. Isso, sem considerar o tempo até o efetivo indeferimento.
Durante a audiência preliminar, o próprio Ministério informou que a assinatura do decreto de concessão estava pendente. Com isso, a ação foi considerada encerrada por perda do objeto. No entanto, o tribunal foi claro ao responsabilizar o Ministério pelas custas processuais, reconhecendo que a vitória da requerente se deu em juízo, e não por iniciativa espontânea da Administração.
Implicações: Cidadania, Burocracia e Direitos
A decisão reforça jurisprudência já consolidada pela Corte de Cassação, que reconhece que o Decreto Salvini (DL 113/2018) não tem aplicação retroativa. Isso significa que pedidos protocolados antes de sua entrada em vigor devem respeitar o prazo anterior de 730 dias, conforme o Decreto Presidencial n.º 362/1994. Esse entendimento resgata a previsibilidade jurídica, ainda que a prática administrativa frequentemente o desrespeite.
Além disso, o acórdão expõe o uso indevido do poder discricionário da Administração Pública, que, em vez de exercer um juízo de razoabilidade e de mérito, se apoiou em premissas frágeis para negar um direito com base em informações que não se confirmavam documentalmente ou que foram mal interpretadas.
O caso da cidadã albanesa representa uma pequena vitória diante de um sistema muitas vezes opaco, desatualizado e sobrecarregado. A condenação do Ministério às custas processuais é simbólica: reconhece que o tempo do cidadão tem valor, e que a Administração Pública, embora detentora de prerrogativas, não está acima da legalidade e da razoabilidade.
Mais do que isso, a decisão serve como alerta a todos os que aguardam por vezes há mais de uma década uma resposta sobre seus pedidos de cidadania italiana: a Justiça pode, e deve, intervir quando o direito à boa administração é violado.
Este caso evidencia a urgente necessidade de modernização e transparência na administração pública italiana. A demora excessiva não só prejudica os requerentes como também mina a confiança no sistema. A condenação do Ministério é um passo importante para garantir direitos e responsabilizar o Estado pela eficiência e justiça em seus processos.