O turismo nas grandes cidades italianas voltou com força total em 2025, e junto com ele, uma realidade que tem preocupado moradores locais: o aumento contínuo dos aluguéis, especialmente nas áreas mais próximas aos principais pontos turísticos. Em Veneza, Turim e Milão, os números não deixam dúvidas, viver nessas cidades está ficando cada vez mais caro.
Veneza: Aluguel Turístico Valorizado, Moradores em Retirada
Veneza é, talvez, o símbolo mais evidente dessa transformação. Com aluguéis de curta duração atingindo uma média de 232 dólares por noite no primeiro semestre de 2025, segundo o AirDNA, a cidade segue como um dos destinos mais procurados da Europa. A taxa de ocupação é de cerca de 62%, com uma receita por acomodação disponível (RevPAR) de 142,3 dólares. Apesar de uma leve queda anual, os valores ainda são elevados, e isso impacta diretamente o mercado de longo prazo.
Moradores relatam que muitos imóveis que antes eram alugados para famílias venezianas agora estão disponíveis apenas por temporada. Como consequência, há uma migração de moradores para cidades vizinhas, e uma dificuldade crescente em encontrar moradias acessíveis na própria Veneza.
“Tenho amigos que precisaram se mudar para Mestre. Trabalhar em Veneza e viver fora virou o único jeito”, comenta Giulia, nascida e criada no bairro de Cannaregio.
Turim: Crescimento Acelerado em Meio à Gentrificação
Turim, embora não seja tão turística quanto Veneza ou Milão, também está sentindo os efeitos do aumento de demanda por aluguéis. Dados de junho de 2025 mostram que o valor médio por metro quadrado atingiu 12,10 €/m², um aumento de mais de 10% em relação ao início de 2024, segundo levantamento do portal Idealista.
As regiões centrais, como o bairro de San Salvario e Crocetta, registram os maiores aumentos. Além da valorização imobiliária, há um número crescente de imóveis sendo reformados para aluguel de curta duração, voltados para turistas e estudantes estrangeiros.
“O preço subiu muito nos últimos anos. Antes, pagávamos 650 € por um bilocale. Agora não se acha nada decente por menos de 900 €”, relata Pietro, jovem universitário morando próximo à estação Porta Nuova.
Embora menos turística do que Roma ou Florença, Turim tem visto um crescimento constante de visitantes — e com eles, uma transformação dos bairros históricos. Marco Bellini, 34 anos, professor universitário, mora na zona de Quadrilatero Romano:
“Quando me mudei para cá em 2017, pagava 550 euros. Agora o mesmo apartamento é anunciado por 850. O centro virou um palco, não um bairro.”
Segundo Bellini, os aluguéis de longo prazo estão desaparecendo.
“Proprietários preferem alugar por fim de semana. Ganham mais e têm menos vínculo. Para nós, inquilinos, isso é uma roleta: contrato curto, pouca estabilidade e zero garantia.”
A prefeitura de Turim começou a discutir medidas de incentivo à locação tradicional, mas ainda enfrenta resistência do setor imobiliário.
Entre o turismo e o direito de morar
A tensão entre o direito de habitar e a pressão do mercado turístico se agrava a cada temporada. Enquanto as autoridades estudam regulações e limites para conter o avanço de plataformas de hospedagem de curto prazo, moradores continuam enfrentando aumentos injustificados, insegurança contratual e a sensação de estarem sendo expulsos, pouco a pouco, dos próprios bairros.
Como resume Lucia, de Veneza:
“A cidade continua aqui, mas a vida que conhecíamos está sumindo. A gente virou parte da decoração.”
Milão: Líder no Custo de Vida
Milão continua sendo a cidade mais cara para se viver na Itália. Em junho de 2025, o aluguel médio alcançou 22,57 €/m², e nas áreas centrais esse valor chegou a ultrapassar 30 €/m². Com a constante movimentação de turistas, eventos internacionais e feiras, a cidade mantém uma demanda intensa por imóveis.
Essa valorização não tem dado trégua nem mesmo nas áreas periféricas. Muitos moradores relatam que estão sendo “expulsos” dos bairros onde sempre viveram devido à especulação imobiliária e ao volume crescente de imóveis voltados para turistas.
“Morei 15 anos em Navigli. Agora, o prédio inteiro virou Airbnb. Tive que procurar um apartamento em Sesto San Giovanni”, conta Alessandra, cabelereira.
“Não é só o aluguel. O custo de viver aqui subiu como um todo”
A capital financeira da Itália, Milão, sempre teve um custo de vida elevado, mas o turismo de eventos — feiras, semanas de moda e design — exacerbou o problema. Giulia Ferrero, 28 anos, publicitária, vive no bairro de Brera e conta:
“É uma região linda, cheia de história, mas virou praticamente um shopping a céu aberto. Hoje, pago 1.200 euros por um estúdio de 40 metros quadrados. E é contrato temporário.”
Segundo ela, não é só o aluguel que pesa:
“Restaurantes, supermercados e até lavanderias ajustaram os preços ao perfil do turista. Para quem vive aqui, cada ida ao mercado pesa no bolso.”
O retrato de uma cidade à venda?
Para o urbanista milanês Alessandro Greppi, o fenômeno é claro:
“Quando o centro das cidades se transforma em produto turístico, os moradores se tornam espectadores ou são forçados a sair de cena. E não estamos falando apenas de bairros nobres, esse processo já chegou a zonas médias e populares.”
Greppi alerta para um possível esvaziamento social:
“O risco é perdermos a diversidade real das cidades, que só pode existir com pessoas que vivem e trabalham ali, não apenas com visitantes passageiros.”
Repensar políticas públicas sobre uso turístico dos imóveis, limitar aluguéis temporários em certas áreas e incentivar soluções habitacionais acessíveis são caminhos possíveis. Mas a urgência já bate à porta. Afinal, sem moradores, até as cidades mais belas perdem sua alma.
Moro em Veneza desde criança e vejo meus amigos cada vez mais forçados a se mudar para Mestre por causa desses preços abusivos nos aluguéis de temporada. A cidade está perdendo sua essência e ficando apenas para turistas, enquanto nós, moradores, lutamos para continuar vivendo aqui.