A recente aprovação do Decreto-Lei 36/2025 no Senado italiano reacendeu uma prática política recorrente, mas nem sempre bem compreendida: o voto de fidúcia (voto di fiducia). Trata-se de um instrumento parlamentar que transforma uma proposta legislativa em um verdadeiro teste de sobrevivência para o governo.
Na essência, o voto de fidúcia funciona como um ultimato: ao vincular uma lei à sua permanência no poder, o governo obriga os parlamentares da base aliada a votar a favor da proposta, mesmo que haja discordâncias internas. A rejeição do texto, nesse caso, é interpretada como quebra de confiança, o que pode levar à renúncia do primeiro-ministro ou até à dissolução do Parlamento.
Como funciona na prática
O voto de fidúcia é solicitado pelo governo em momentos estratégicos — geralmente quando se deseja acelerar a tramitação de uma lei ou impedir alterações em seu conteúdo. Ao recorrer a esse mecanismo, o Executivo evita longos debates e emendas que poderiam desfigurar a proposta original.
No caso do Decreto-Lei 36/2025, que trata da reforma no reconhecimento da cidadania italiana por descendência, o governo de Giorgia Meloni pediu voto de fidúcia no Senado para garantir a aprovação integral do texto. Com 81 votos a favor e 37 contra, o decreto foi aprovado com folga, sem aberturas para mudanças no conteúdo.
Uma manobra legítima — mas polêmica
Apesar de ser um instrumento previsto pela Constituição italiana, o uso recorrente do voto de fidúcia é alvo de críticas. Para a oposição e parte da sociedade civil, trata-se de uma forma de limitar o debate democrático e reduzir o papel do Parlamento a um simples carimbo das decisões do Executivo.
Na legislatura atual, o governo tem recorrido com frequência ao mecanismo, em parte pela necessidade de manter a coesão de uma coalizão diversa e em parte para acelerar reformas sensíveis. Ainda assim, muitos se perguntam: até que ponto o uso reiterado do voto de fidúcia fortalece a governabilidade — e até que ponto enfraquece o debate político?
O dilema: confiança ou chantagem institucional?
No centro da discussão está um dilema típico dos sistemas parlamentaristas: a relação delicada entre governabilidade e representatividade. Por um lado, o governo precisa de instrumentos que garantam sua capacidade de ação; por outro, os parlamentares devem ter liberdade para debater, propor mudanças e fiscalizar o Executivo.
O voto de fidúcia, portanto, é uma faca de dois gumes. Quando bem utilizado, assegura estabilidade política e celeridade em decisões importantes. Mas, quando abusado, pode transformar o Parlamento em um órgão passivo — e a democracia, em uma formalidade.