Em meio ao cenário turbulento e incerto gerado pelo polêmico Decreto-Lei 36/2025 — que reformula os critérios para reconhecimento da cidadania italiana — uma nova onda de investigações sacode a região da Campânia. A Polícia Metropolitana de Nápoles executou nesta semana oito prisões relacionadas a um vasto esquema de concessão ilegal de cidadanias italianas a brasileiros, com base em falsas declarações de residência.
A operação, coordenada pelo Ministério Público de Nápoles Norte e conduzida a partir da Promotoria de Aversa, resultou na aplicação de medidas cautelares contra oito indivíduos suspeitos de envolvimento em associação criminosa, corrupção e falsificação de documentos públicos.
Entre os detidos estão quatro funcionários municipais de Orta di Atella (província de Caserta) e Frattaminore (Nápoles), pertencentes aos cartórios de Registro Civil e Estado Civil, bem como agentes da Polícia Municipal. Também foram presos o proprietário de uma empresa que intermediava os pedidos de residência e cidadania, além de três civis que teriam disponibilizado imóveis para os registros falsos.
Falsificação sistemática e lucrativa
O esquema envolvia uma rede organizada que fornecia carimbos e efígies de Estado falsificados — utilizados para adulterar passaportes, declarações de presença e documentos estrangeiros que simulavam ascendência italiana. O objetivo era permitir que brasileiros, que não residiam efetivamente nas localidades envolvidas, se passassem por moradores legais e, assim, solicitassem a cidadania italiana jure sanguinis.
Segundo as investigações, a organização contava com o apoio direto de funcionários públicos corrompidos, que, em troca de dinheiro e outras vantagens, atestavam falsamente a residência dos requerentes. Em muitos casos, os próprios documentos genealógicos eram forjados ou manipulados, criando um processo completo de cidadania com base em informações inverídicas.
A relação entre os agentes públicos e os intermediários empresariais garantiu agilidade na tramitação dos pedidos, muitas vezes driblando os trâmites legais exigidos pela legislação italiana.
Valores altos e impacto internacional
Estima-se que os valores cobrados por cada processo variavam entre 8 mil e 45 mil euros, com média de 22 mil euros. Com centenas de processos tramitados, o volume de negócios chegou a movimentar milhões de euros. A polícia, ao analisar uma grande quantidade de documentos digitais, identificou registros contábeis detalhados, inclusive com anotações de pagamentos a funcionários públicos e a indicação das práticas “processadas”.
Esse não é o primeiro escândalo na região. A investigação é um desdobramento de outra operação que, há cerca de um ano, resultou na prisão de funcionários do município de Villaricca (também em Nápoles), e cuja sentença foi emitida em janeiro de 2025.
Clima de tensão
O caso reacende o debate sobre o uso indevido do reconhecimento da cidadania italiana por descendência, especialmente por meio da via administrativa em pequenos municípios do sul da Itália. Com a entrada em vigor do Decreto-Lei 36/2025, que endurece os critérios e os controles sobre o reconhecimento de cidadanias, cresce também a pressão sobre administrações locais e a fiscalização de fraudes.
A investigação continua, e novas prisões não são descartadas. Enquanto isso, centenas de processos suspeitos podem ser revistos nos próximos meses, colocando em xeque o status legal de diversos ítalo-brasileiros que iniciaram seu processo de cidadania em municípios como Orta di Atella e Frattaminore.
A comunidade ítalo-brasileira acompanha o desenrolar com preocupação, temendo que irregularidades pontuais afetem a imagem e a legitimidade dos muitos que seguiram o caminho legal e transparente para o reconhecimento de sua cidadania.